quarta-feira, 1 de abril de 2020

(2020/047) Deixem-me dizer por que o cristianismo é intrinsecamente mau

Pares de olhos mais arregalados do que os de Aye-Aye se me dirigem quando digo que o cristianismo é intrinsecamente mau. Dos dois lados, à direita e à esquerda, balançam-se as cabeças e grunhem-se as goelas. É uma besta, declaram. E talvez estejam certos.

Entretanto, tenho uma razão para eu dizer o que eu digo. Eventualmente ela é uma razão errada. Mas esse é o problema de todas as razões - eventualmente, podem estar erradas.

A única forma de você julgar é conhecendo a razão dada. No caso de minha declaração quanto a ser intrinsecamente mau o cristianismo, tudo se deve ao fato de que ele se ergueu sobre a plataforma sacerdotal de Jerusalém, e, que eu saiba, aquela é a doutrina religiosa mais pervertida que alguma vez alguma religião já inventou. 

A teologia sacerdotal de Jerusalém, e, até onde eu saiba, a única desse tipo em toda a história, inventou uma narrativa assim: os camponeses judeus e suas senhoras são maus, a divindade vai matar todo mundo, e a única forma de a divindade não matar todo mundo, salvando só os justíssimos funcionários dele, é um judeu e uma judia irem ao templo de Jerusalém com um animal para que o sacerdote sacrifique o animal no lugar do judeu e, assim, a divindade tenha sua sede de "justiça" - faz-me rir! - saciada... até o próximo ano. No ano que vem, de novo a matança santa...

Se não me crê, leia o livro de Hebreus, no Novo Testamento e assista a vídeos sobre a celebração do Kaparot no Youtube. Enjoy yourself!

O que Paulo e outros teólogos fizeram? Fizeram isso, Colocaram cada ser humano no mesmo lugar que o desgraçado do coitado do camponês judeu, e todo ser humano virou um ser que a divindade quer matar e vai matar, porque a teologia é a mesma de Jerusalém, sem tirar nem pôr. Depois disseram que a morte de Jesus era o mesmo que o cordeiro no altar, mas que bastava aquela morte. Pronto: uma teologia da graça com anabolizante, já que Jesus é o cordeiro com suprimentos alimentares: "este é o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo"...

Olhando assim, parece bom: acabou a coisa toda. Mas não é. No alicerce permanece sem nenhuma crítica, nenhuma, absolutamente nenhuma, a declaração de que todo homem e mulher não presta, que a divindade tem sede de sangue ("sem derramamento de sangue não há perdão de pecados", diz o boníssimo apóstolo da graça!) e que só se está vivo porque a divindade deixou. No extremo, ainda aparecem celerados teológicos a inventar que meia dúzia é eleito e meia dúzia vai fritar no óleo quente, essa doutrina celerada feita por celerados para celerados. Já tem severos problemas psicológicos quem admite a base da teologia paulina, e acrescentar a eles toques de elitismo a ela é assinar atestado de insanidade ética!

Quando a pessoa leva o cristianismo para casa, leva a plataforma sacerdotal. Ali, a psicologia profunda da doutrina entranha nos ossos. A pessoa começa a imitar a divindade, a olhar para todos com olhar de acusação e condenação, impede-se de perdoar, porque não há perdão no cristianismo, mas execução do inocente pelos assim declarados pecadores. Cada século do cristianismo real é exatamente a sobreposição incessante da plataforma fundamental do cristianismo, a sacerdotal, sobre a alegada boa notícia da graça. O cristão deve odiar-se enquanto pessoa, e, odiando-se, odeia a tudo e todos - impossível amar ao próximo como a si mesmo, quando a sua doutrina ensina que você é intrinsecamente uma perversão, um acúmulo corporal de nojos e pecados. Não há Evangelho que cure isso, prova-o a história cristã.

Boa notícia teria sido anunciar ao mundo que as teologias de condenação pelo pecado são perversões políticas de um bando de religiosos dementes. Algo como Zaratustra a dizer no ouvido do funâmbulo, que vai morrer, que não tem inferno. Mas não: Paulo e todos os teólogos armaram sua barraca de vender limões sobre a carcaça dos cordeiros mortos, e a graça fede a cadáver até hoje... Graça teria sido libertar os homens da teologia sacerdotal. Antes, enfiaram aquela podridão teológicas na carne do Ocidente inteiro.

Bastaria repetir o que Jesus disse à mulher acusada de ser adúltera: não te condenam os que te acusavam? Nem eu te condeno! Ora, se nem ele condenava, mandemos Paulo ir cagar no mato - e já!






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Unknown disse...

Oi, Osvaldo!

Não sei se vai aparecer meu nome - ainda estou meio enrolado com isso -, então, só pra registro, chamo-me Luciano Martins Pomponet, e já andei lendo e comentando postagens por aqui faz algum tempo, tendo retomado o contato ontem.

Eu entendi a argumentação.

Ainda me considero um cristão. As instituições já não me fazem sentir à vontade há algum tempo, mas a figura de Jesus de Nazaré, sobretudo em momentos como esse a que você se referiu, do "nem eu te condeno", tem algum significado na minha vida que não me deixa abandonar aquele qualificativo.

Então, talvez, e só talvez, meus olhos se arregalassem um pouco também, ou pelo menos eu me ajeitaria na cadeira.

Mas, vamos lá! Eu entendi a sua argumentação. E gostaria de saber onde conhecer mais a fundo a fundamentação para a sua premissa acerca da invenção, pela teologia sacerdotal de Jerusalém, da narrativa sobre a maldade intrínseca dos camponeses e camponesas.

A passagem dessa maldade dos camponeses e camponesas judeus para toda a humanidade também é fácil (agora que você mostrou) de enxergar.

Se for possível você me indicar fontes de pesquisa, a direção a seguir, eu agradeço.

Um abraço!

Luciano Martins Pomponet

Tetê Caldas disse...


Muito Bom. Perfeito!


"No alicerce permanece a declaração de que todo homem e mulher não presta, que a divindade tem sede de sangue e que só se está vivo porque a divindade deixou. Quando a pessoa leva o cristianismo para casa, leva a plataforma sacerdotal. Ali, a psicologia profunda da doutrina entranha nos ossos. A pessoa começa a imitar a divindade, a olhar para todos com olhar de acusação e condenação. Não há perdão no cristianismo, mas execução do inocente pelos assim declarados pecadores. O cristão deve odiar-se enquanto pessoa, e, odiando-se, odeia a tudo e todos - impossível amar ao próximo como a si mesmo, quando a sua doutrina ensina que você é intrinsecamente uma perversão. Não há Evangelho que cure isso".

Professor Osvaldo percebi sua ausência no facebook. Considere a possibilidade de retornar. Acho que muitos ficarão contentes, pq suas ideias e textos só somam!

Unknown disse...

Olá Osvaldo, você tem algum texto sobre o "pecado imperdoável contra o Espírito Santo?"

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