quarta-feira, 1 de abril de 2020

(2020/046) Miserere, essa obra-prima, e o que eu acho do Cristianismo


Miserere é uma das composições mais espetaculares que a humanidade uma vez criou, e essa performance é uma das imbatíveis. Houve dias em que ouvi dezenas de vezes seguidas. Há momentos da execução que são simplesmente estupefacientes, de fazer você parar e se perguntar como alguém pode compor tão bem assim, e alguém pode cantar tão bem assim...

Para mim, isso é o que restou de dois mil anos de cristianismo. Naturalmente que vivo e sobrevivo de cristianismo, já que sou professor de curso de Teologia, e professor especialista em Bíblia e suas ferramentas. Mas a experiência religiosa em si se foi há mais de uma década completamente, e há duas, aos poucos.

Eu entendo que alguém possa gostar de sua idealização do cristianismo. Mas se trata disso - de sua própria idealização. Porque o cristianismo real, histórico, o que realmente se pode chamar concretamente de cristianismo, esse é assassino em todos os sentidos, desde o corpo até as ideias, e ainda hoje, quando insiste estupidamente no mito monoteísta, essa bestificação filosófica incompatível com a Modernidade, a pluralidade cultural e a consciência humana.

Mas eu nem mesmo idealização mantenho. Não vejo esperança alguma na religião, e principalmente na religião monoteísta de modo geral. Em momentos como a de crise de saúde, religião serve para a gente se esconder debaixo da cama ou para tornar mais estúpidas ainda pessoas naturalmente já estupidificadas pelos mitos e pelas batinas e ternos.

Quanto eu sinto alguma saudade, ouço canções como Miserere. Não tanto pela letra, mitológica como tudo na religião, mas pelo efeito místico-estético que a performance me proporciona, conquanto eu saiba absolutamente sempre que são minhas enzimas e células a produzir cada sensação. É como uma vontade enorme de urinar, a bexiga vai explodir, você corre e urina, e é das coisas mais prazerosas da vida. É assim: a bexiga de minha alma, que nada é além da mente, se enche, e eu preciso correr e ouvir a memória do que devia ter sido, do que podia ter sido, mas nunca nem jamais será, porque não tanto sejam maus os homens e a mulheres, que também são, mas porque intrinsecamente má é a plataforma, e sem cura possível...










OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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