1. Minha defesa de uma Teologia pós-metafísica - que nada têm de "pós-moderna", nem a defesa, nem a Teologia enquanto pós-metafísica, antes são a transformação da Teologia "medieval", e, das disponíveis, qual não o é?, em Teologia, em tese, verdadeiramente "moderna" -, implica, indiretamente, numa crítica à "teologia" que se pratica na religião. Se o leitor desejar inteirar-se de uma defesa da "teologia como religião", talvez gostasse de ler o artigo (Im)possibilidade e Necessidade da Teologia, de Wiilis Santiago Guerra Filho: "que se faça, portanto, uma teologia capaz de se tornar uma tal religião". Não vou me intrometer - aqui - nessa questão, apenas deixar minha impressão, meu juízo: essa teologia é mito, e, a meu ver, mitos só funcionam na ignorância de sua eidética, de sua essência, de sua condição de mito - para além dela, quando se sabe que se lida com mito, e se sabe da condição política do mito, o caminho é, quanto ao mito, a sua dissipação enquanto tal, ou, quanto ao sujeito religioso, o auto-engano, ou, eventualmente, o cinismo. Marx estava certo.
2. Quero encerrar meu 2008 em Peroratio ratificando meu cantus firmus de 2008 - a Teologia acadêmica deveria, sem negociações, sem dissimulações, sem tergiversações, abdicar de sua auto-imagem medieval, que, a rigor, é platônica e, por isso, sacerdotal. Deveria caminhar pelo caminho desbravado/apontado pelo primeiro Kant, e tornar-se, definitivamente, ciência. Deveria pagar o preço que fosse para isso.
3. Essa decisão, que a própria Teologia tem de tomar, faria dela uma metodologia, um registro de aproximação heurística ao real. Nesse caso, aquela parcela do "real" que abrange, direta e indiretamente, o fenomeno religioso. Logo, para toda e qualquer "religião" como objeto, essa Teologia constituiria uma modalidade, uma dimensão (hipônima?, hiperônima?) da Fenomenologia da Religião - para o que bastaria inverter o modo como, hoje, a Teologia lida com essa disciplina. Nesse sentido, a Teologia não lidaria mais, nunca mais, com a "ontologia", mas com o "discurso", com a "prática", com as "tradições" (também as "Tradições"), com o "sujeito", com o "fenômeno", com a "hermenêutica", ou seja, com todos os elementos, juntos, que constituem o fenômeno religioso, como se pretende, igualmente, para a Fenomenologia da Religião.
4. O mais importante, o absolutamente mais importante: a Teologia deveria abrir mão, definitivamente, de considerar-se "política", de apresentar-se, publicamente, como discurso norteador, diretivo, ético, consolador, diretor. A Teologia que postulo é ciência - "mole" -: uma das disciplinas constantes do conjunto das Ciências Humanas, na esteira de Feuerbach, que denunciou constituir a Teologia uma cripto-Antropologia (a rigor, muito mais do que apenas Antropologia, Antropologia, aí, funcionando como uma metonímia, já que o que se projeta na Teologia é muito mais do que apenas o "ântropos", mas, também, mais do que ele, a sociedade, como também, menos do que ele, a sua psiquê). Logo, o teólogo dessa nova safra, dessa nova plantação, aproximar-se-á do fenômeno religioso não como gestor, não como fiel, mas como investigador.
5. O dever dessa Teologia seria muito simples, conquanto muito relevante: esclarecer, sempre criticamente, os mecanismos cognitivos do(s) processo(s) religioso(s) como um todo, em todas as suas dimensões constitutivas - a psiquê, a cultura, a sociedade, a política, a economia, a tradição humanas, a História - como a Fenomenologia da Religião, a Teologia será dependente incontornável da História (o que lhe evitará equívocos decorrentes de abstrações descoladas da realiade - cf. o post anterior).
6. No caso "cristão", Hans Küng já teria traçado de modo razoavelmente satisfatório seu estatuto - cf. Teologia a Caminho. Particularmente sua afirmação categórica de que essa Teologia deveria ser, necessariamente, histórico-crítica, condição sine qua non para a sua presença na Universidade, parece-me definitiva. Essa é uma afirmação sem compromissos políticos de primeira linha, e, a despeito de tratar-se de uma metodologia "européia," como o afirma Zabatiero (cf. Júlio Paulo T. Zabatiero, Hermenêutica Protestante no Brasil, em João Cesário L. Ferreira (org), Novas Perspectivas sobre o Protestantismo Brasileiro, São Paulo: Paulinas/Fonte Editorial, 2009, p. 131-160), nem por isso é "relativa" - a metodologia histórico-gramatical, estadunidense, é absolutamente imprestável para a recontrução histórica, porque ela, sim, está assentada sobre compromissos "confessionais" e "institucionais", obstáculos intransponíveis à pesquisa. Não há acordo científico possível no campo histórico que passe por cima dos critérios histórico-críticos.
7. Fala-se de "poder" o tempo todo. Oh, sim, é verdade - o poder. Mas, coisa interessante, o "poder", na "academia teológica brasileira", hoje, é operado ou, de um lado, pela corrente conservadora, evangélica, evangelical, fundamentalista, carismática, pentecostal, neo-pentecostal, ou seja, histórico-gramatical (como também o declara Zabatiero), interessada na transformação confessional-religiosa da sociedade, ou, de outro lado, pela corrente político-teológica, aquela que, em primeiro lugar, está interessada na transformação político-religiosa da sociedade. Para as duas correntes, a pesquisa, a pesquisa séria, tomada como objetivo por si mesma, ou constitui devaneios de torres de marfim, ou projeto de interdição das pluralidades... Curioso é observar que o "motivo" comum às duas abordagens é a "transformação" - cada qual segundo seus princípios e valores, meios e verdades - da sociedade, o que, repito, é curioso, faz, de ambas, atualizações do espírito marxista, conforme a décima primeira tese sobre Feuerbach: "os filósofos apenas interpretaram o mundo de forma diferente, o que importa é mudá-lo" (cf. Georges Labica, As 'Teses sobre Feuerbach' de Karl Marx, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 35). Ótimo! Mas não será a ciência a fazê-lo, conquanto não se chegará a tanto, sem equívocos, sem ela... Fazer da Teologia fé e política, para, assim, alcançar o que Marx desejava e preconizava como dever "contemporâneo", nenhum serviço presta, seja à Teologia, seja à sociedade. Pelo contrário - nada mais conservador, nada mais reacionário, ainda que, ironia, essa Teologia tenha de si uma imagem de "revolução"...
8. Seria preciso que os teólogos, eles mesmos, desejassem fazer Teologia como quem faz ciência, antes de fazerem Teologia como quem prega. Seria necessário que os próprios teólogos se considerassem pesquisadores/cientistas, antes que profetas/sacerdotes. Enquanto a Teologia for o exercício da fé, à Teologia estará vedada a sua transformação em ciência. E, contudo, o MEC deixou-nos brincar de confissão em sala de aula... Quando - e não é raro - um aluno ou uma aluna, profeticamente engajados, confessionalmente enquadrados, exemplarmente, reagirem de forma medieval, ao ouvirem seções de minhas prédicas na cátedra, que direito tenho eu, teólogo, professor, de chocar-me, de sentir-me ferido, de recusar fogueira e inferno? Não se (re)agiu aí rigorosamente como se esperava, ja que Teologia, no MEC, é isso aí mesmo, ruminação de fé? Eu, herege, é que me dane...
9. 2009 - que Teologia nos preparas?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Quero encerrar meu 2008 em Peroratio ratificando meu cantus firmus de 2008 - a Teologia acadêmica deveria, sem negociações, sem dissimulações, sem tergiversações, abdicar de sua auto-imagem medieval, que, a rigor, é platônica e, por isso, sacerdotal. Deveria caminhar pelo caminho desbravado/apontado pelo primeiro Kant, e tornar-se, definitivamente, ciência. Deveria pagar o preço que fosse para isso.
3. Essa decisão, que a própria Teologia tem de tomar, faria dela uma metodologia, um registro de aproximação heurística ao real. Nesse caso, aquela parcela do "real" que abrange, direta e indiretamente, o fenomeno religioso. Logo, para toda e qualquer "religião" como objeto, essa Teologia constituiria uma modalidade, uma dimensão (hipônima?, hiperônima?) da Fenomenologia da Religião - para o que bastaria inverter o modo como, hoje, a Teologia lida com essa disciplina. Nesse sentido, a Teologia não lidaria mais, nunca mais, com a "ontologia", mas com o "discurso", com a "prática", com as "tradições" (também as "Tradições"), com o "sujeito", com o "fenômeno", com a "hermenêutica", ou seja, com todos os elementos, juntos, que constituem o fenômeno religioso, como se pretende, igualmente, para a Fenomenologia da Religião.
4. O mais importante, o absolutamente mais importante: a Teologia deveria abrir mão, definitivamente, de considerar-se "política", de apresentar-se, publicamente, como discurso norteador, diretivo, ético, consolador, diretor. A Teologia que postulo é ciência - "mole" -: uma das disciplinas constantes do conjunto das Ciências Humanas, na esteira de Feuerbach, que denunciou constituir a Teologia uma cripto-Antropologia (a rigor, muito mais do que apenas Antropologia, Antropologia, aí, funcionando como uma metonímia, já que o que se projeta na Teologia é muito mais do que apenas o "ântropos", mas, também, mais do que ele, a sociedade, como também, menos do que ele, a sua psiquê). Logo, o teólogo dessa nova safra, dessa nova plantação, aproximar-se-á do fenômeno religioso não como gestor, não como fiel, mas como investigador.
5. O dever dessa Teologia seria muito simples, conquanto muito relevante: esclarecer, sempre criticamente, os mecanismos cognitivos do(s) processo(s) religioso(s) como um todo, em todas as suas dimensões constitutivas - a psiquê, a cultura, a sociedade, a política, a economia, a tradição humanas, a História - como a Fenomenologia da Religião, a Teologia será dependente incontornável da História (o que lhe evitará equívocos decorrentes de abstrações descoladas da realiade - cf. o post anterior).
6. No caso "cristão", Hans Küng já teria traçado de modo razoavelmente satisfatório seu estatuto - cf. Teologia a Caminho. Particularmente sua afirmação categórica de que essa Teologia deveria ser, necessariamente, histórico-crítica, condição sine qua non para a sua presença na Universidade, parece-me definitiva. Essa é uma afirmação sem compromissos políticos de primeira linha, e, a despeito de tratar-se de uma metodologia "européia," como o afirma Zabatiero (cf. Júlio Paulo T. Zabatiero, Hermenêutica Protestante no Brasil, em João Cesário L. Ferreira (org), Novas Perspectivas sobre o Protestantismo Brasileiro, São Paulo: Paulinas/Fonte Editorial, 2009, p. 131-160), nem por isso é "relativa" - a metodologia histórico-gramatical, estadunidense, é absolutamente imprestável para a recontrução histórica, porque ela, sim, está assentada sobre compromissos "confessionais" e "institucionais", obstáculos intransponíveis à pesquisa. Não há acordo científico possível no campo histórico que passe por cima dos critérios histórico-críticos.
7. Fala-se de "poder" o tempo todo. Oh, sim, é verdade - o poder. Mas, coisa interessante, o "poder", na "academia teológica brasileira", hoje, é operado ou, de um lado, pela corrente conservadora, evangélica, evangelical, fundamentalista, carismática, pentecostal, neo-pentecostal, ou seja, histórico-gramatical (como também o declara Zabatiero), interessada na transformação confessional-religiosa da sociedade, ou, de outro lado, pela corrente político-teológica, aquela que, em primeiro lugar, está interessada na transformação político-religiosa da sociedade. Para as duas correntes, a pesquisa, a pesquisa séria, tomada como objetivo por si mesma, ou constitui devaneios de torres de marfim, ou projeto de interdição das pluralidades... Curioso é observar que o "motivo" comum às duas abordagens é a "transformação" - cada qual segundo seus princípios e valores, meios e verdades - da sociedade, o que, repito, é curioso, faz, de ambas, atualizações do espírito marxista, conforme a décima primeira tese sobre Feuerbach: "os filósofos apenas interpretaram o mundo de forma diferente, o que importa é mudá-lo" (cf. Georges Labica, As 'Teses sobre Feuerbach' de Karl Marx, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 35). Ótimo! Mas não será a ciência a fazê-lo, conquanto não se chegará a tanto, sem equívocos, sem ela... Fazer da Teologia fé e política, para, assim, alcançar o que Marx desejava e preconizava como dever "contemporâneo", nenhum serviço presta, seja à Teologia, seja à sociedade. Pelo contrário - nada mais conservador, nada mais reacionário, ainda que, ironia, essa Teologia tenha de si uma imagem de "revolução"...
8. Seria preciso que os teólogos, eles mesmos, desejassem fazer Teologia como quem faz ciência, antes de fazerem Teologia como quem prega. Seria necessário que os próprios teólogos se considerassem pesquisadores/cientistas, antes que profetas/sacerdotes. Enquanto a Teologia for o exercício da fé, à Teologia estará vedada a sua transformação em ciência. E, contudo, o MEC deixou-nos brincar de confissão em sala de aula... Quando - e não é raro - um aluno ou uma aluna, profeticamente engajados, confessionalmente enquadrados, exemplarmente, reagirem de forma medieval, ao ouvirem seções de minhas prédicas na cátedra, que direito tenho eu, teólogo, professor, de chocar-me, de sentir-me ferido, de recusar fogueira e inferno? Não se (re)agiu aí rigorosamente como se esperava, ja que Teologia, no MEC, é isso aí mesmo, ruminação de fé? Eu, herege, é que me dane...
9. 2009 - que Teologia nos preparas?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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