sábado, 7 de março de 2009

(2009/064) "Pathos divino" e razão humana

1. Acabo de ler, inspecionalmente, a obra Crítica e Profecia - a filosofia da religião de Dostoiévski, de Luiz Felipe Pondé (Editora 34). Não me surpreendi ao encontrar, ali, inúmeros conceitos e termos recentemente presentes em Peroratio. Enumero alguns.

2. O conceito da "razão" incompatível com o "divino": "a idéia de razão deífuga" (...) isto é, de que a razão fasta o homem de Deus", "razão que vai enlouquecendo o sujeito e, à medida que o enlouquece, vai afastando-o de Deus" (p. 113).

3. O conceito de "cegueira" da lógica, logo, da razão: "como apontado anteriormente, na teologia ortodoxa Deus é da ordem da evidência e não da lógica; a lógica é cega. Dostoiévski destrói a lógica (...) Assim, para Dostoiévski, não devemos prestar muita atenção à lógica" (p. 138).

4. O conceito de pathos divino como mediação místico-intuitivo-ontológica do Divino, extraído, por Pondé, da obra do filósofo/teólogo judeu, Heschel: "o místico profeta é alguém que sabe o que Deus quer" (p. 57), ele sofre de uma afecção simpática em relação a Deus (p. 36). Segundo Pondé (não li Heschel), Heschel considera a sua uma "teologia profunda" - "forma correta de abordar a mísitca" (p. 58). Mais uma vez, como eu dissera em relação a Lévinas, que repete um discurso semelhante ao de Aldous Huxley, Heschel afirma a verticalidade do "caminho" - para cima! - contra a sua versão horizontal - antropológica: falsa!

5. O conceito de "homem sobrenatural", nos termos de Pondé, de "homem inacabado", o que se explicaria por meio da "angústia" existencial humana, o que explicaria a intuição mística, o que fundamentaria a percepção do "sagrado", mas, ao mesmo tempo, o caráter inacabado do "homem", de modo que a sua "objetivação" "epistemática" (termo de Pondé) corresponderia a um recalque dessa condição sem fim - e o que, por conseguinte, expõe como "imperfeito" o homem racional, posto que material. Porque essa situação deve-se à "queda", ou seja, não é constitutiva do homem, mas uma conseqüência de um acontecimento trágico (p. 159 - à escvolha: Platão ou Paulo, tanto faz). Não é por outra razão que os conceitos de "queda", "suspeita da razão" e "pathos divino" serão costurados por Pondé justamente nesse capítulo - O homem inacabado -, relacionando à fórmula teólogos como Kierkegaard, Pascal e Dostoiévski (p. 163).

6. Bem, está "tudo" lá - faço-me entender? "Tudo". Com a diferença de que, na aparência, Pondé fala da "filosofia da religião" de um terceiro. Quando vi-me compelido a reagir a esses mesmos conceitos, recentemente, ouvi-os como de primeira pessoa. Não foram, pois, eles, os conceitos em si, que me motivaram à reação - mas o fato de terem sido apresentados não como um acidente histórico, uma peculiaridade da fé acuada e assustada, mas como ontologia política, como "leitura" da minha existência. Todavia, dela cuido eu. E, para isso, tenho cá pá e picareta...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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