1. O senhor arcebispo vai a público e informa haver condenado ao inferno a família, os médicos e a vítima envolvidos no caso do aborto da menina de nove anos, estuprada pelo padrasto, esse ainda no céu - é que o corpo vivo e parido da menina é estuprável, Deus há de entender essas questões de pulsões córtico-penianas, enquanto o "corpo" informe e inato, não-parido e inominado do feto é intocável, a tal ponto de o perdão divino ser, em face do "pecado" cometido, não-cogitável. Mistérios da Razão divina, dos Valores divinos, da Vontade divina, mistérios da pragmática manipulável de uma Idéia Política. Sendo assim, pedófilos, sumamente padres, e estupradores, quaisquer que sejam, estão níveis acima na escala dos valores teológicos. O Vaticano, bem como a CNBB, sou informado por Wálter Fanganiello Maierovitch, aprovaram a atitude (cínica) do senhor religioso e eclesiástico - difícil conter os adjetivos.
2. Nos termos da exposição pública do caso, sob a ótica da legislação e da justiça brasileiras, bem-feito!, o senhor arcebispo pode ser processado e condenado a sanção pecuniária. A legislação, ainda que de 1940, é laica, e o "valor" (?) religioso da "igreja" pesa tanto quanto o "valor" da terra dos duendes da Xuxa, quando o caso é a prescrição laica das normas sociais. Nesse caso, a legislação tem, já, quase setenta anos, mas não foi redigida no "Cativeiro Babilônico" (o "túmulo", pressuposto pela Renascença) - antes, é o espírito laico que a rege, de modo que ela já prevê o aborto em casos de risco de vida para a mãe e em caso de estupro. No caso da menina, valem as duas excepcionalidades legais.
3. Além disso, continua Maierovitch, quando o senhor arqui-sacerdote vai a público e proclama a excomunhão de pessoas, ele age como se o Brasil, de modo natural, fosse, todo ele, sujeito aos valores e às normas da "igreja" - e da igreja dele! A despeito de ser ridícula (a crença em) a excomunhão, patética, medieval e anacrônica, uma estupidez da fé eclesiástica herdada do coração do atraso, ela, contudo, fere a dignidade pessoal dos envolvidos, pelo "significado" pretenso e retórico que a "bula" contém, uma depreciação pública do valor e do caráter, do estado e da vida da pessoa. Se não fosse o caso concreto, era para darem-se gargalhadas na cara aparvalhada do digníssimo representente de Deus (puf!), mas, uma vez que se trata de um gesto sobretudo político, é politicamente que a questão deve ser tratada e resolvida - nas barras da justiça!
4. Mas isso é o que Maierovitch sozinho já disse, eu só repito porque concordo em número e grau. O que aqui me traz é um gotejar de plástico quente a que exponho a idéia do "pathos divino" - quem há de negar que é o "pathos divino" que move esse doutrinal juiz? Somente "Deus" é capaz de condenar uma alma, e não a outra, e, para isso, recorrer a artifícios de retórica - e, exatamente como Pondé afirma da teologia de Heschel, o "profeta" é aquele que sabe o que Deus pensa, descrição perfeita do senhor vigário excomungador, porque é por que ele sabe o que Deus pensa - mercê do pathos divino que lhe vai nas tripas -, que ele excomunga. No excomungar do arcebispo, é Deus que excomunga, e é isso a que se resume a retórica do pathos divino.
5. Naturalmente que um defensor profético do pathos divino há de reclamar de meu abuso analógico - alto lá, Osvaldo, que isso que esse arcebispo fez nada tem do pathos divino, é pura arrogância política... Ah é? Então quer dizer que o pathos divino, além de mensurável, pode ser identificado por meio de um bafômetro? Há um critério crítico para o pathos divino? É isso? E qual é? A ética pessoal? Ah, sei. Vejamos se entendi: quando a ética aplicada é a minha, então ela se põe no nível extático do pathos divino, ela é divina, é "patológica", a paixão que a move provem da próstata de Deus! Por outro lado, quando é a ética do outro, a mim estranha, então não é da próstata de Deus que ela provém, mas do cu do diabo... Quando eu tiver suficientes reais para comprar esse bafômetro, faço-me teólogo!, e vou bafejar as faces divinas...
6. Também já os que se doem da menina, da família, dor humana, e da situação dos médicos, dor legal, hão de sentirem-se tomados de "pathos divino", a pleitear justiça divina contra a opressão dos poderosos etc., uma teologia de esquerda que é a cara de sua mãe, a teologia de direita, cada qual arrimando-se na usurpação do bom senso alheio, a fazer crer que somente Deus é fundamento possível para a ética humana...
7. "Pathos divino" não passa de uma síndrome megalomaníaca de se ser e sentir o centro do mundo, de se considerar que o olho que vê é o olho do mundo, uma ilusão neurótica infantil, ora cuidada "boa" e "santa", ora denunciada como "demoníaca", conquanto o critério seja sempre o umbigo do juiz.
8. O mais cômico da defesa do pathos divino é que tal fenômeno se dá animado por uma profunda nostalgia medieval, conquanto o seja também por meio de uma crítica aparentemente profética do sacerdotalismo eclesiástico - guerra em cujo front e sob o cheiro de cujo sangue se perde a capacidade de ver que, num e noutro caso, é a alienação e o mito que controlam não apenas as mentes, mas também os corpos. Naturalmente que isso numa perspectiva humana, demasiado humana...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Nos termos da exposição pública do caso, sob a ótica da legislação e da justiça brasileiras, bem-feito!, o senhor arcebispo pode ser processado e condenado a sanção pecuniária. A legislação, ainda que de 1940, é laica, e o "valor" (?) religioso da "igreja" pesa tanto quanto o "valor" da terra dos duendes da Xuxa, quando o caso é a prescrição laica das normas sociais. Nesse caso, a legislação tem, já, quase setenta anos, mas não foi redigida no "Cativeiro Babilônico" (o "túmulo", pressuposto pela Renascença) - antes, é o espírito laico que a rege, de modo que ela já prevê o aborto em casos de risco de vida para a mãe e em caso de estupro. No caso da menina, valem as duas excepcionalidades legais.
3. Além disso, continua Maierovitch, quando o senhor arqui-sacerdote vai a público e proclama a excomunhão de pessoas, ele age como se o Brasil, de modo natural, fosse, todo ele, sujeito aos valores e às normas da "igreja" - e da igreja dele! A despeito de ser ridícula (a crença em) a excomunhão, patética, medieval e anacrônica, uma estupidez da fé eclesiástica herdada do coração do atraso, ela, contudo, fere a dignidade pessoal dos envolvidos, pelo "significado" pretenso e retórico que a "bula" contém, uma depreciação pública do valor e do caráter, do estado e da vida da pessoa. Se não fosse o caso concreto, era para darem-se gargalhadas na cara aparvalhada do digníssimo representente de Deus (puf!), mas, uma vez que se trata de um gesto sobretudo político, é politicamente que a questão deve ser tratada e resolvida - nas barras da justiça!
4. Mas isso é o que Maierovitch sozinho já disse, eu só repito porque concordo em número e grau. O que aqui me traz é um gotejar de plástico quente a que exponho a idéia do "pathos divino" - quem há de negar que é o "pathos divino" que move esse doutrinal juiz? Somente "Deus" é capaz de condenar uma alma, e não a outra, e, para isso, recorrer a artifícios de retórica - e, exatamente como Pondé afirma da teologia de Heschel, o "profeta" é aquele que sabe o que Deus pensa, descrição perfeita do senhor vigário excomungador, porque é por que ele sabe o que Deus pensa - mercê do pathos divino que lhe vai nas tripas -, que ele excomunga. No excomungar do arcebispo, é Deus que excomunga, e é isso a que se resume a retórica do pathos divino.
5. Naturalmente que um defensor profético do pathos divino há de reclamar de meu abuso analógico - alto lá, Osvaldo, que isso que esse arcebispo fez nada tem do pathos divino, é pura arrogância política... Ah é? Então quer dizer que o pathos divino, além de mensurável, pode ser identificado por meio de um bafômetro? Há um critério crítico para o pathos divino? É isso? E qual é? A ética pessoal? Ah, sei. Vejamos se entendi: quando a ética aplicada é a minha, então ela se põe no nível extático do pathos divino, ela é divina, é "patológica", a paixão que a move provem da próstata de Deus! Por outro lado, quando é a ética do outro, a mim estranha, então não é da próstata de Deus que ela provém, mas do cu do diabo... Quando eu tiver suficientes reais para comprar esse bafômetro, faço-me teólogo!, e vou bafejar as faces divinas...
6. Também já os que se doem da menina, da família, dor humana, e da situação dos médicos, dor legal, hão de sentirem-se tomados de "pathos divino", a pleitear justiça divina contra a opressão dos poderosos etc., uma teologia de esquerda que é a cara de sua mãe, a teologia de direita, cada qual arrimando-se na usurpação do bom senso alheio, a fazer crer que somente Deus é fundamento possível para a ética humana...
7. "Pathos divino" não passa de uma síndrome megalomaníaca de se ser e sentir o centro do mundo, de se considerar que o olho que vê é o olho do mundo, uma ilusão neurótica infantil, ora cuidada "boa" e "santa", ora denunciada como "demoníaca", conquanto o critério seja sempre o umbigo do juiz.
8. O mais cômico da defesa do pathos divino é que tal fenômeno se dá animado por uma profunda nostalgia medieval, conquanto o seja também por meio de uma crítica aparentemente profética do sacerdotalismo eclesiástico - guerra em cujo front e sob o cheiro de cujo sangue se perde a capacidade de ver que, num e noutro caso, é a alienação e o mito que controlam não apenas as mentes, mas também os corpos. Naturalmente que isso numa perspectiva humana, demasiado humana...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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