quinta-feira, 5 de março de 2009

(2009/049) Tem uma alma no meu PC


1. De outro modo, como eu posso explicar que ele, por exemplo, "pense"?, que ele, "fale"?, que ele "cante"?, que ele "veja"?, que ele "faça contas"? Já não consigo mais ficar à vontade diante de meu PC - ele tem uma alma, uma assombração, me olhando, fixamente...

2. Há milênios, alguém, em algum cultura, considrou que a natureza do pensamento era por demais diferente da natureza do corpo - expírito versus matéria - para que procedesse dele. O pensamento devia ser mais como o "vento". Assim, decidiu-se considerar a separação (dicotomia, disjunção) entre pensamento e corpo, espírito e matéria. Inventou-se o "dualismo".

3. O dualismo entrou no Ocidente porque Platão o sistematizou, e, uma vez que Platão é a própria "alma" do Ocidente, seja por meio da encarnação helênico-judaica, seja da encarnação greco-romana, o Ocidente tornou-se dualista: o pensamento e o corpo divorciaram-se oficialmente.

4. Quando a teologia começou a incomodar, e a intelectualidade daí procedente começou a querer andar com as próprias pernas, ainda aí o dualismo - em Descartes, por exemplo - conseguiu manter-se, como musgo e limo, agarrado.

5. Somente a partir do século XIX - até onde posso controlar - é que o dualismo começou a ser propositivamente superado. Primeiro, com Marx, cuja epistemologia anti-teológica propos o homem como ser natural. Depois, com Nietzsche, que afirmou que a consciência era a última etapa do desenvolvimento orgânico da/na espécie humana. Hoje, as Ciências Cognitivas "trabalham" como sob esse axioma: o pensamento é material.

6. O que faz com que eu exorcize aquela primeira impressão: haveria uma alma em meu PC. Na verdade, é um anti-exorcismo que devo praticar - e em mim!: meu corpo (é que) pensa, vê, fala, canta, faz contas...

7. É muito curioso - depois de dois mil anos de platonismo, o Ocidente encaminha-se para dialogar muito mais com as tradições próximo-orientais que, está bem, como Platão, também cuidavam de vida após a morte, mas, diferentemente dele, não para uma alma-fantasma, mas para um corpo vivo, uma "garganta viva", como diz Gênesis (e não "alma vivente", como o quis/quer Almeida). Platônico até a próstata, a cabeça de Paulo, todavia, guardava, viva, a tradição material do judaísmo antigo - sem um corpo, seja aqui, seja "lá", toda a fé é vã... A fé daquela gente do Crescente Fértil estava mais para Coisa do que para o Garparzinho...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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