domingo, 1 de março de 2009

(2009/035) Jimmy ressuscitou (IV)


1. Eu ia escrevendo, como subtítulo: "... mas ainda cambaleia". Mas achei meio maldade (viu como ainda procuro preservá-lo?). Mas, Jimmy, que força tenho que fazer, para tanto, quando me deparo com o parágrafo cinco de seu post ((2009/030) Racionalismo blasé e experiência religiosa: a razão cega diante do intratável). Não dá para salvá-los: nem o post, nem o postador...

2. Chego a transcrevê-lo, para que você mesmo leia o que escreveu (sem realçá-lo em azul, para diminuir o constrangimento): "Meu bom amigo é um cético. Mas não muito. O bom ceticismo é irônico e trágico. Explico-me. Após enveredar-se pelos caminhos tortuosos do XIX e desatrelar o seu mundo do sol, precipitando-se em vertiginosa contingência, para trás, para os lados, para frente, em todas as direções, vagueando num nada interminável, respirando o bafejo dos espaços vazios, dá um passo pra trás e acorrenta-se numa tradição que se firma na auto-imagem racionalista do seu Cogito, ergo sum. Reproduz em suas falas um neo-kantismo à la Karl Otto Apel – acredita mesmo que a razão pode vencer a contingência, mesmo que seja com o porrete de um Estado –, e nesse horizonte epistemológico, trata a religião. De uma lucidez cortante, seus escritos – heuristicamente fundamentados – revelam certo ar blasé diante das questões existenciais. Foi Camus quem disse que o que “distingue a sensibilidade moderna da sensibilidade clássica é que esta se alimenta de problemas morais e aquelas de problemas metafísicos”. Meu amigo não é um pensador clássico – como assim querelas metafísicas? – e nem mesmo tem um trato existencial com as questões morais".

3. Jimmy do céu!, você misturou as bolas. Eu nunca fui um céticvo em termos epistemológicos. Sou um cético no que diz respeito à "intuição" do "sagrado". Já disse muitas vezes que, no campo da "teologia", um teísta e um ateísta são xipófagos. Pode-se dizer mais: um teísta, um deísta, um panteísta, qualquer "ista" desse tipo é um xipófago como seu contrário, o ateísta. O ateísta é um crente - e não um crente negativo, que um crente negativo é aquele que assumiria a Teologia Negativa, a do não dizer. É uma fé. Clássica, até. Mas respeitosíssima, porque sabe tanto de Deus que sabe que não pode falar nada sobre Ele. E não fala. O ateísta, não, ele sabe, mas o que ele sabe é que não há deus coisa nenhuma, e fala dessa fé como certeza, e da do outro, como delírio. Pois, para mim, delírio é tanto um Dawkins quanto um Barth ou um Lévinas - devaneios metafísicos (ia escrever inúteis, mas sei que são até assassinos, de modo que são eficientes, e não, inúteis).

4. Quando digo que sou cético, e o sou, refiro-me àquilo que eventualmente esteja "do outro lado do céu de chumbo" - se é que há algo lá. Quanto a isso, nem sou teísta, nem ateísta - sou cético. Todavia, Jimmy, quanto ao que está do lado de cá, quando, meu amigo, quando, ouviu dessa boca de Bel beijar e beijar Bel que sou cético? Nunca, camarada... Você até esteve envolvido com uma moda de me chamar de neo-positivista, sei lá de onde você tirou essa classificação. Não sou nem de longe cético com relação ao lado de cpa - sou um exegeta, homem!, tenho a alma de um historiador, aquele ogro do Bloch, creio nas ciências (duras e moles), lido com elas de forma crítico-epistemológica, sem nenhum resquício daquela retórica platônica de certeza e absoluto com que nos enganamos por dois milênios e meio.

5. No que diz resiepti à vida, não sou cético, não sou pós-moderno, sou alguma coisa entre um "racionalista crítico", um "româtico", um "cognitivista" e um (em formação) "pensador complexo" (cf. Morin). Cético? Faz-me rir...

6. "Acredita mesmo que a razão pode vencer a contingência, mesmo que seja com o porrete de um Estado" - quase, Jimmy, quase, pergunto se você andou bebendo para escrever isso... Não o farei. No entanto, fico pasmo. Se você não ficar muito zangado, mas, se ficar, talvez seja epistemologicamente bom para você, eu diria que você está misturando tudo - política, estética e heurística, como se as três pragmáticas pudessem ser articuladas num sistema linear, que é como me analisa. Está fadado ao fracasso, assim.

7. Primeiro, porque a razão, sim, a crítica, sim, é instrumento para diálogo com a Natureza. Não vou nem entrar nos detalhes, porque já escrevi muito sobre isso. Vai em casa e liga o interruptor, se a luz acender, terá entendido o que eu estou dizendo. Se não acender, liga pra Light, que ela está cada vez mais um porcaria, ou, então, manda consertar a tomada ou trocar o fusível. A razão, contudo, não tem nada de parecido com a "oniciência" divina que a teologia pressupunha. Você está o quê?, analisando a ciência humana, a heurística, pelos padrões do que a teologia, Platão, dizia ser "conhecimento"?

8. Segundo, o Estado nada tem a ver com a heurística - é política. As soluções de Estado nada tem a ver com saber, mas com "querer". Porrete do Estado para questões de razão? O que é isso? De onde você tirou isso, Jimmy? A última vez que vi isso foi entre o Papa e Galileu. Nem a discussão sobre liberação ou não de pesquisa com células-tronco intra-placentárias encaixa-se nessa categoria tresloucada que você insinua. O mundo da cultura, da lei, da sociedade, é um mundo político. A monogamia, vaor que garante ao "traído" um eventual processo, nada tem de "natural", é meramente cultural e arbitrário.

9. Terceiro, porque (você Apel?) ele não está a defender uma razão em estilo clássico, como aquela que se cogitaria no XIX, mas está, antes, ciente da problemática da Hermenêutica, cioso da especificidade das Ciências Humanas, moles e quentes, em face das Ciências da Natureza, duras e frias, ciente do "mundo humano" que o XIX pariu - sim, os diabos Kant, Schopenhauer, Feuerbach, Marx, Nietzsche, Freud -, e cuja emergência rasgou no meio a "ciência" em duas enormes e não-dialoguais placas tectônicas, "unir" os continentes num sistema que pudesse dar coesão - em termos de "critério de verificação" - ao "conhecimento" humano. Daí dialogar com Peirce, que é um monstro de seu tempo, e, não me admira, ignorado das pulsões esboroadoras do concreto, inclusive os pruridos místicos, do presente.

10. Bem, você diz que eu trato - aí (malgrado você ter desenhado um "aí" absolutamente equivocado) - a religião. E como queria que eu fizesse? Que incorporasse um exu e fosse pra roda? Que pusesse um ar introspectivo na face tisnada pelo fogo divino, e reverberasse ecos do sagrado em conferências supostamente acadêmicas - não vi você desmontar um caso assim, em minuto e meio (esqueceu?, rápido assim?). A religião não foi elvada a sério, ainda, pela Teologia, e, temo, sequer pelas Ciências Humanas. Em Teologia, não conheço classe que honre as Ciências Humanas, e o digo porque não conheço, ainda, teólogo que as honre. Mesmo Küng, um bravo, volta e meia trai sua herança medieval. Você colaca a Haroldo e eu nesse balaio. Imprudência ou precipitação. O fato é que a Teologia passa pela Antropologia, pela Psicologia, pela Sociologia, pela Fenomenologia, pela Etnologia, e é como se nada houvesse acontecido - seja a Teologia clássica, seja a me´tafórica, seja essa "fumaça" de mística de cátedra, insisto, envergonhada... Alguém que leve a sério as Ciências Humanas, e, depois, ouse falar em "Deus", "sagrado", "Eterno", "intratável", ah, tem dó... Então nega logo as Ciências Humanas e pronto.

11. "De uma lucidez cortante, seus escritos – heuristicamente fundamentados – revelam certo ar blasé diante das questões existenciais". Blasé? Eu? Ha! Ha! Ha! Haroldo não teria nenhuma preocupação com minha empregabilidade, não é Haroldo, fosse eu um blasé da elite, a soltar aforismos entre o sorver ritual de um vinho ou dois - e mais, todo blasé é de direita!, porque tem-se que ser privado de tripas para o ser.. Eu sou é um homem de intestinos, que vomita, imprudentemente, insanamente, porque não pode se conter. Repito: sou eventualmente uma frause humana, porque meus intestinos fervem, mas eu não movo, concretamente, uma palha em direção à Revolução (salvo se meus escritos caminham para isso). Chame-me de intimista, vá lá, mas de blasé... Ah, Jimmy arranja outro termo de moda, porque esse aí é péssimo para me descrever. Toda a série Jimmy Ressuscitou revelará isso de forma candente, ígnea, na sua carne, a um Jimmy que deve saber que cutuca, sempre, a onça com vara curta. E tem de ser assim: melhor dizer-me na cara, e ouvir de mim a resposta, que pelas costas, o que seria um pecado.

12. Quanto à moral, ela está resolvida para mim. É da dimensão mamífera e animal humana, levada à concretização antropológica por meio da emergência da consciência. Não há fundamento outro que não os ensaios históricos para ela. Não é ontológica. Não é "verdadeira". É, para todos os fins, uma questão de "jogo". A humanidade, lidando com a moral, não passa do exemplo do que ocorreria com qualquer "animal", se a ele o acidente da consciência tivesse transportado para o plano da teleologia: ah, se os vírus soubessem que são, o que são, o que podem - certamente, entre eles, haveria um Marx e um Rousseau, haveria "moralina" e tudo, porque a moral é o encontro nu do homem com a consciência de sua força, mas quando isso se defronta com a consciência que o outro tem de sua própria força. Eu, só, sou amoral - é na sociedade, historicamente constituída, que se força a moral. E, aí e assim, ela é necessária.

13. Vamos em frente. Talvez se devesse apagar esse parágrafo quinto... Algo assim como Deus, que pega nossos pecados e os lança no fundo do mar.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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