domingo, 1 de março de 2009

(2009/034) Jimmy ressuscitou (III)


1. Passo, agora, Jimmy, a comentar o § 3 de seu post: (2009/030) Racionalismo blasé e experiência religiosa: a razão cega diante do intratável. Ele é todo um post sobre mim. É de muita coragem essa "análise" (quase uso o termo em sentido psicanalítico!) que você me dirige. É preciso muita proximidade e/ou muita distância para arriscar um tiro tão pretensamente certeiro.

2. Eis você: "nosso intempestivo (...) Osvaldo, sem fazer concessões, embriaga-se com as salivas de sangue cuspidas pelos seus heróis do XIX, que o contagiaram infinitamente, moldando a auto-imagem emancipada que ele tem de si mesmo". Bem, quanto a isso você há de ter lido minha segunda reação a seu post (cf. (2009/032) Jimmy ressuscitou (II), § 9). Ali, restringi ao máximo a amplitude de sua afirmação, negando que eu mesmo me considere emancipado - certamente não quanto ao corpo, logo, à vida. Não sou eu quem dou as regras dela! Uma emancipação epistemológica, essa sim, penso ser legítimo que a endosse. Não estou certo, contudo, do tom com que você reveste essa declaração - se é uma constatação, uma descrição, ou se, no fundo, é uma ironia bastante temerosa de se fazer explícita. No entanto, é verdade que minha auto-imagem, eventualmente emancipada, constuo-a, sim, a partir do XIX. Há outro paradigma? Diga-mo. Não considero epistemologicamente adequado fincar uma cunha entre Marx e Nietzsche, por exemplo, de um lado, e Barth e Ratzinger, de outro, acomodando Lévinas, Buber e seu(s) novo(s) interlocutor(es), confortavelmente, aí, como se fosse uma "autêntica terceira via". Para mim isso não passa de retórica. Ou se está no XIX, ou se está na Idade Média - e isso vale para o XX e para o XXI, ainda, já que o XX e o XXI ainda são, apenas, queda-de-braço, a ver quem ganha a luta, o XIX ou a Idade Média. Deus é tão necessário para uns e outros que, das duas uma, ou se dá a ele um CPF, ou se o aponta constrangedoramente por meio de um joigo de espelhos - ele é intratável! Nos dois casos, medievalismo, que a Teologia Negativa é perfeitamente medieval, quanto mais essa mística melíflua do "fogo na face"... Nos dois casos, Psicologia sem psiquê... Antropologia sem "homem"... Sociologia sem "cultura"... Um platonismo envergonhado.

3. "É um racionalista da tradição de Kant". Do primeiro, sem dúvida, o da Crítica da Razão Pura. Mas, Jimmy, meu amigo, como dizer isso é não dizer absolutamente nada! Dir-me-ás, por acaso, que Barth não o é igualmente? Barth não dá cambalhotas de excitação, utilizando-se instrumentalmente do discurso "romântico" (kantiano, nesse sentido) do céu de chumbo, para, ah, malandro!, sacar do velho odre nicênico a velha e esgarçada retórica da Revelação? A questão não é ser ou não ser kantiano, Jimmy - é se você leva isso a sério. Levo. Para mim, anote aí - o céu é de chumbo, em todos os sentidos, para Barth, para Lutero, para Lévinas - e para Pondé. Qualquer tentativa de discutir a mística - e eu sou místico, Jimmy (se não compreendes isso, não me compreendes em nada) - a partir de um cripto ponto de vista "teológico" (fogo da "face", Ética da face do Outro no outro, "epistemologia apofântica", essas palavras que são apenas disfarces para a fé parida pelo dogma, e dogma não assumido até o fim como tal) - é mera alienção. Na boca do povo é compreensível, porque lhe cabe bem o adjetivo "coitado", mas na boca de estudiosos? É para ter muita paciência, não? Quer "investigar", heuristicamente, os caminhos da mística, vamos lá. Quer instrumentalizar esse caldo para, com ele, criar mundos retóricos - como posso acompanhar você, nisso, se é isso que critico, todos os dias, em nós, teólogos de formação?

4. Outro exemlo de como é difícil saber exatamente o tom com que você faz vibrar a corda de sua voz é esse: "Refugia-se na imanência de um racionalismo crítico ocidental que colocou chumbo no céu e apagou todos os sóis, podendo responder tão somente com a aridez de um homem solitário, as desesperadas perguntas acerca do que podemos saber? Que devemos fazer? Que nos é lícito esperar? Neste horizonte epistemológico quer pensar a religião. Assim o faz. Pensa no horizonte da imanência – não há outro modo, diz-se cético". Não sei o que é isso, de fato: louvor?, crítica?, mera "descrição/análise (psicanalítica)"? Como saber. A sintaxe não deixa.

5. Resta-me, então, tratar das "palavras", já que não sei qual o espírito que as move. Quanto a elas, têm razão, se o espírito que as anima é aquele com que as movimento: "racionalismo crítico ocidental". Você conhece outro modo de "conhecer"? Não falo de estética nem de política, que, a despeito de Habermas ter querido (e nisso encontrado eco) fundir numa "racionalidade" (é o jogo político dele, mas é fraude), não são, em nenhum sentido, "saber". A estética não gera "saber", conquanto as experiências que ela gere sejam tão válidas humanamente falando quanto a "pesquisa" - mas no seu campo. A política não gera "saber", conquanto a vida humana desenvolva-se, sempre, inexoravelmente, na e por meio da política. Mas heurística, Jimmy, é saber - estética e política, não. Por um ato solipsista, mágico, mítico, arrogante, eventualmente "louco", alguém pode estalar os dedos e "decidir" que a heurística é qualquer coisa, e, incontinenti, pôr em votação quantos metros há daqui na Lua. Vê o ridículo da coisa?

6. Assim, parece-me ser uma tentativa de lucidez e sanidade epistemológica a manutenção do "racionalismo crítico", que, é bom saber, não é de minha monta. Citaria alguém infinitamente mais reconhecido: Popper, e citaria seu texto O que é Dialética? (em Karl P. Popper, Conjecturas e Refutações, UnB, 1982, p. 342-265): "num sentido muito importante, a crítica é o motor principal de qualquer desenvolvimento intelectual" (p. 246). E, para dar a você razão, Poper cita Kant exatamente nesse contexto, já que Kant queria saber justamente isso: "como pode nossa mente compreender o mundo?" (p. 355). Não, certamente, por meio de transposições mágico-mitológicas de pôr-se diante da face de Deus... Com isso, Jimmy, com essa viagem alucinógena, eventualmente, mas sem nenhuma garantia, nenhuma, de nenhuma espécie, se alcançaria uma sabedoria de vida, quando não um ódio tão grande pelo "pecado" que o fogo da face divina alimentaria o fogueira das purificações... A mística prática não produz conhecimento - nem de si! -, conquanto promova, aí, sim - eventualmente! - "sabedoria" de vida. Concordaremos com o fato de que o homem veio vivendo até hoje, sem a crítica kantiana, desde que saiu das savanas africanas e cavernas francesas? E, no entanto, aí, o que produziu foram "deuses"...

7. Não é que tenhamos chegado à maturidade - que essa não é a parte, justamente a cristã e confessional, a da "coroa da criação" (não é à toa que as duas grandes guerras levaram a Europa ao Estruturalismo, isso se Ginzburg está certo em dizer que aquele movimento foi uma tentativa de recalcar a culpa da Europa por meio da despersonalização radical da espécie humana), que eu recolho do XIX -, mas é que foi proposta uma forma de "pensar", de lidar com a Natureza, com o homem e com suas objetivações industriosas que é "novo", no sentido de levar a sério que mesmo o que um Buber e um Lévinas acalentam, ao colo como que materno, um mitozinho querido, ah, que pena que ele vai embora... vai não, fica, é mito. E só. Que seja, se não estamos prontos. Mas, que droga, Jimmy, e se eu estiver pronto?

8. Estarei? Sei lá? O garimpeiro que se mete a cavar, dão-lhe crédito antes ou depois da primeira pepita? O garimpo é uma aventura - e como toda ela - é de risco. Não é o caso, contudo, o caso da mística, seja a dogmática, seja a dita poética-cabalística (sei!), porque o ouro que daí se tira, muito dele já se achou em minas que dão ao minério nomes pouco lisonjeiros... Aquele que tem prazer no nome, carrega as pepitas no bolso, feliz, feliz, conquanto com elas não compre um palito de fósforos. Mas há os capitalistas - aqueles que sabem o valor da pepita que acharam na falsa mina de ouro, mas, fazer o quê?, está no sangue, hão de socializar o prejuízo... Eis como descreveria, hoje, à luz do XIX, toda defesa de uma metafísica, explítita ou dissimulada, ontológica ou metafórica, nua ou vestida de poesia e filosofia: não importa se o ouro é falso: se todos a ele derem valor, terá valor!


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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