1. COntinuo, Jimmy, minha longa série de reações a seu post: (2009/030) Racionalismo blasé e experiência religiosa: a razão cega diante do intratável. Que prazer! Tu me deste que fazer por umas boas horas desse Domingo do Senhor, e, religiosamente, como um monge de clausura, "trabalharei" e "orarei" sobre cada palavra tua...
2. Seu parágrafo dois, inteiro, é alguma coisa entre prosa e poesia, o que, mais uma vez, prova, cabalmente, a tese de que não importa se é por meio de prosa ou de poesia que se fala, sempre se fala - e, falando-se sempre, seja por meio de prosa ou de poesia, faz-se a prosa ou a poesia encarnar a palavra que se quer dizer. O que faz com que eu suspeite, profundamente, de uma Teologia que se diga "poética", e que, ao mesmo tempo, critica a Teologia clássica, posto que "dogmática". Do ponto de vista epistemológico, dá na mesma: dizer prosaicamente (dogma) ou poeticamente (lirismo) é o mesmo, se você está, mesmo, dizendo.
3. Você diz que Haroldo e eu somos "filhos de uma Europa secularizada", o que - em parte - é verdade. Mas, apenas em parte, e, mesmo aí, não no mesmo grau nos dois casos. Penso que Haroldo ainda esteja mais axialmente ligado à matriz européia protestante do que eu, que, contudo, igualmente me filio - com gosto - a ela. Penso que a minha posição encontra-se mais demarcada, ao passo que Haroldo encontra-se em dores topográficas. Seja como for, é um momento nosso, talvez, uma transição. Penso que mais perceptível em Haroldo do que em mim. Querm me olha(r), há de considerar-me pronto e forjado, mas cá eu sei que não. Não me considero "acabado", e, por isso, agarro-me ferreamente em axiomas epistemológicos, porque, seja como for, é por aí que pretendo dar continuidade à minha "indústria". Gosto de ter Haroldo por companheiro de fábrica.
4. Todavia, você acrescenta: "uma Europa secularizada – que atingiu nossos tristes trópicos meio que de raspão". "De raspão"? Uma Europa que tomou dos povos "originais" as terras deles, as riquezas deles, a cultura deles, os valores deles - a vida deles! -? De raspão? Se - "de raspão" - eles roubaram tudo, mataram tudo, imagina se tivessem aportado por aqui, digamos, por quinhentos anos! Até a Europa sabe disso, confessado pela boca de um ilustre filho:
4.1 "Em suma, os anti-semitas não gostam quando os judeus vivem em um país que não seja Israel. Mas, se um judeu decide morar em Israel, os anti-semitas também não gostam. Claro, eu sei muito bem da objeção de que o território onde hoje é Israel foi um dia palestino. Mesmo assim, ele não foi conquistado com violência aviltante ou com nativos dizimados, como no caso da América do Norte, ou mesmo pela destruição de estados governados por seus monarcas de direito, como na América do Sul, mas através de migrações graduais e assentamentos que foram inicialmente aceitos" (Umberto Eco, O Novo Anti-semitismo, disponível aqui).
5. Logo, talvez tenha sido um arroubo retórico que, mais uma vez, contudo, deixa as coisas um tanto gelatinosas, de um jeito assim que não se sabe exatamente o que é, se é crítica, se é conciliação, mais ou menos como alguém com meu olhar se sente diante de Lévinas, Buber e Tillich, porque o que eles querem, afinal, é a transformação do ethos e do pathos religiosos, ou a sua "acomodação" idealista e, não o queria dizer, mas o digo, burguesa? Não, Jimmy, não foi "de raspão", não. Foi no coração e nas tripas, na cara e no peito, com ferro e fogo. E, no entanto, como você disse bem em sua Dissertação de Mestrado - e surpreende-me, pois, essa retórica presente - também de lá saiu a reação anti-colonialista, pai e mãe, você diz, até, da Teologia da Libertação. De raspão... Eu heim!
6. Bem, se eu, então, sei que não foi de raspão que a Europa passou por aqui, nem mesmo a Europa secularizada, já que o Brasil, sua "Ordem e Progresso", como se sabe, e, por conta disso, fez-se a Teologia uma reflexão não bem-vinda na Universidade por longos cem anos, o Brasil universitário fez-se "positivista" - logo, se a religião grassa nas ruas, a cátedra é asséptica e pseudo-cética. Logo, eu dizia, como posso, ao mesmo tempo, saber que a Europa é, para o Brasil, uma espécie do que Davi foi para Batseba, e, ainda assim, aceitar que eu seja filho dela? Simples - porque isso é fato. Carrego na carne a Europa, para o bem e para o mal. O que eu faço, tento fazer, é escolher, naquilo que me é possível - algumas cicatrizes são indeléveis -, que "tradição", que pathos, abraçar - e, certamente, não é a de um Barth, nem a de um Lévinas (quanto a este, não por conta da Ética, mas por conta da alienação do fundamento de sua pseudo-Ética: já Barth, no todo).
7. Que construção: "bebem avidamente nas bases de um humanismo renascentista que descobriu o clássico e buscou re-fazer sobre outro topos – o homem como medida dele mesmo – essa tão decadente civilização ocidental"! De efeito! Alguma forma de Humanismo, sim, me nutre, mas não, certamente, mais, a renascentista. Obviamente que eu prefiro os valores da Renascença aos da Igreja medieval. Mas há muita água que rolou entre a Renascença, mãe, aí, sim, de Lureto, e o século XXI. Há o empirismo inglês, a Revolução Francesa, o XIX inteiro - e Marx, naturalmente -, há a eclosão irrefreável das "ciências", duras e moles, e, mais recentemente, as Cognitivas - e há, sobretudo, Morin. Morin, um humanista renascentista? Mas nem de longe. Tão pouco eu. Longe de mim, para muito longe, de o homem como medida de todas as coisas, ou o homem como "coroa da criação". No entanto, diante da alternativa Platão x Aristóteles, Agostinho x Lutero (o primeiro, aquele dos cinco minutos antes de transformar-se em papa de uma nova Roma - logo, valeria dizer "Lutero" x "Lutero"). Lévinas x Morin, ah, Jimmy, tem dúvidas sobre que "partido" tomo?
8. O homem não é, para mim, medida dele mesmo, porque essa afirmação desconsidera o que se sabe desde - pelo menos - Marx: que o homem objetiva-se através do "trabalho" (no sentido do Homo faber) na sua relação indissociável com a natureza, de modo que, só, o homem sequer é homem. Assim, é na relação triádica homem - trabalho - natureza (isso está tanto em Marx quanto em Morin, e está em Morin, naturalmente, porque Morin esteve lá), e não num solipsismo pseudo-humanista (e, se solipsismo, alienação) é que se encontra a medida do homem. Aceito, sem luta, que o Renascimento tem aquilo de que, hoje, também me nutro - a Teologia "eclesiástica" (logo, política) é túmulo, e é preciso "renascer" [não é curioso, ilustrativo, que tenham sido os "mortos" aqueles a bancarem, financeiramente, a retórica renascentista, uma vez que foram a Igreja e as coroas os financistas daquele delírio conciliável?]. Mas é aí que paro. Meu lar, hoje, é o XIX, até que ele seja materializado, socialmente, no XXI - se o for. No entanto, sou grato ao Renascimento, aos árabes, a Aristóteles, por ter ajudado a cortar a cabeça de Platão. Nisso, sim, sou renascentista: Platão, vai-te aos infernos! Ah, e leva Agostinho contigo, pelo amor de Deus!
9. Logo, seu parágrafo está bastante prejudicado. E, nesse caso, uma expressão que teria certa força, fica, também ela, prejudicada: "são indivíduos emancipados". À luz do seu parágrafo, "emancipados", apenas, do dogma - falo por mim, obviamente -, da Igreja enquanto norma, lei e topos. Mas, ah, Jimmy, em sentido pleno? Não. Emancipei-me, talvez, intelectualmente. Já não consulto sacerdotes, nem comentários bíblicos sacerdotais, nem o "Espírito Santo", dado o nível de autonomia que me estabeleci. Mas, ah, meu amigo, o homem é um caso perdido, porque sua "felicidade" depende, inexoravelmente, da espécie (encontrei isso em Cântico dos Cânticos, antes de o ler em Mészáros - registre-se!): uma vez que a sociedade humana existe em forma alienada, não me posso desalienar por mim mesmo, idealisticamente. Meu intelecto está relativamente livre, meu olhar, talvez. Mas meu corpo? Não é, Jimmy, hoje, agora, aqui, o capital, quem o determina? Não é uma dor lancinante fazer-se mercadoria o trabalho de refletir e "ensinar"?, tirar, daí, o pão? Não, Jimmy, seu amigo tem todas as chances de morrer desgraçadamente alienado, e a desgraça é sabê-lo. Não me defino pelo cérebro, amigo. Mas pelo corpo - e ele jaz acorrentado pela forma econômica de sua existência sócio-econômica. Lévinas? Não, nada pode fazer para ajudar-me, salvo uma passagem para devaneios místico-mítico-alienantes... Prefiro a dor. Ela é lúcida.
10. Agora, se eu recortar o seguinte citado de todo o restante do parágrafo, ele ficaria (quase) "perfeito": "Seus martelos foram diamantados pela desenfreada avidez crítica do XIX. Marx, Freud, Nietzsche, Feuerbach e Darwin são seus cavaleiros interlocutores. Não há mais lugar para se andar de calças curtas, como mesmo disse Osvaldo (...), depois desses cavaleiros, não há mais como manter-se dentro desse horizonte ontológico-metafísico sem a pena de ser vitima de uma self-deception". Isso, sim, com a ressalva de que eles são, apenas, interlocutores. Não simplesmente os pretendo reproduzir, como se eles fossem meus novos dogmas. Nada disso. Nietzsche mesmo, você sabe, como posso compactuar com seu aristocracismo? De nenhum modo. E, contudo, toda a crítica que ele fez a mim enquanto "teólogo clássico", acatei-as, e concedi-lhe a honra da vitória. Fui ou não "besta de carga"? É, ou não, Gênesis, um livro de sacerdotes, de espírito sacerdotal, ainda que Schwantes tenha tido a idéria mais criativa e engraçada que já vi: pôr a converter-se um sacerdote ao povo para poder fazer da obra sacerdotal uma obra do povo (o que é possível pelo recurso de libertar-se ainda sacerdotalmente esse povo...)? É, ou não, todo teólogo, um mau filólogo? E, no entanto, ele não quer democracia, nem casamento por amor... Logo, esse Nietzsche, eu o ouço como ouço você: se você diz algo que me parece devido, bom, se não, marreta.
11. Mas sua última palavra, aquela com que você termina o parágrafo, é a palavra: self-deception. Aprendi-a com Morin - aquele de Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Eis porque uma Ética ao estilo levinasiano me parece "embuste" - não há base alguma para você apontar o auto-engano que, eventualmente, a engendra: é miragem acintosa, é retórica mística, é solipsismo geográfico, é mito - e ele sabe disso!, Jimmy, ele quer até que eu aceite isso! Depois, sucuri, ele me abraça... Não há engano no mito: salvo se ele é tomado como outra coisa, salvo se você fica olhando, absorto, o ar, com aquela cara bovina, uma nova maconha, eu diria, como se a solidez da vida, a concretude da matéria fosse "ilusão", e a luz verdadeira emanasse da saliva que escorre pelo canto da boca... É lícito? Quero dizer, alguém pode alucinar-se assim? Pode, claro. O que não fica bem é sugerir isso como remédio.
[12. Curioso - quando o pobre fuma craque, é viciado, quando o intelectual fuma mito, é cult...].
13. Self-deception - esse, sim, é meu diabo, o que sobrou. E persignar-me não é eficiente...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Seu parágrafo dois, inteiro, é alguma coisa entre prosa e poesia, o que, mais uma vez, prova, cabalmente, a tese de que não importa se é por meio de prosa ou de poesia que se fala, sempre se fala - e, falando-se sempre, seja por meio de prosa ou de poesia, faz-se a prosa ou a poesia encarnar a palavra que se quer dizer. O que faz com que eu suspeite, profundamente, de uma Teologia que se diga "poética", e que, ao mesmo tempo, critica a Teologia clássica, posto que "dogmática". Do ponto de vista epistemológico, dá na mesma: dizer prosaicamente (dogma) ou poeticamente (lirismo) é o mesmo, se você está, mesmo, dizendo.
3. Você diz que Haroldo e eu somos "filhos de uma Europa secularizada", o que - em parte - é verdade. Mas, apenas em parte, e, mesmo aí, não no mesmo grau nos dois casos. Penso que Haroldo ainda esteja mais axialmente ligado à matriz européia protestante do que eu, que, contudo, igualmente me filio - com gosto - a ela. Penso que a minha posição encontra-se mais demarcada, ao passo que Haroldo encontra-se em dores topográficas. Seja como for, é um momento nosso, talvez, uma transição. Penso que mais perceptível em Haroldo do que em mim. Querm me olha(r), há de considerar-me pronto e forjado, mas cá eu sei que não. Não me considero "acabado", e, por isso, agarro-me ferreamente em axiomas epistemológicos, porque, seja como for, é por aí que pretendo dar continuidade à minha "indústria". Gosto de ter Haroldo por companheiro de fábrica.
4. Todavia, você acrescenta: "uma Europa secularizada – que atingiu nossos tristes trópicos meio que de raspão". "De raspão"? Uma Europa que tomou dos povos "originais" as terras deles, as riquezas deles, a cultura deles, os valores deles - a vida deles! -? De raspão? Se - "de raspão" - eles roubaram tudo, mataram tudo, imagina se tivessem aportado por aqui, digamos, por quinhentos anos! Até a Europa sabe disso, confessado pela boca de um ilustre filho:
4.1 "Em suma, os anti-semitas não gostam quando os judeus vivem em um país que não seja Israel. Mas, se um judeu decide morar em Israel, os anti-semitas também não gostam. Claro, eu sei muito bem da objeção de que o território onde hoje é Israel foi um dia palestino. Mesmo assim, ele não foi conquistado com violência aviltante ou com nativos dizimados, como no caso da América do Norte, ou mesmo pela destruição de estados governados por seus monarcas de direito, como na América do Sul, mas através de migrações graduais e assentamentos que foram inicialmente aceitos" (Umberto Eco, O Novo Anti-semitismo, disponível aqui).
5. Logo, talvez tenha sido um arroubo retórico que, mais uma vez, contudo, deixa as coisas um tanto gelatinosas, de um jeito assim que não se sabe exatamente o que é, se é crítica, se é conciliação, mais ou menos como alguém com meu olhar se sente diante de Lévinas, Buber e Tillich, porque o que eles querem, afinal, é a transformação do ethos e do pathos religiosos, ou a sua "acomodação" idealista e, não o queria dizer, mas o digo, burguesa? Não, Jimmy, não foi "de raspão", não. Foi no coração e nas tripas, na cara e no peito, com ferro e fogo. E, no entanto, como você disse bem em sua Dissertação de Mestrado - e surpreende-me, pois, essa retórica presente - também de lá saiu a reação anti-colonialista, pai e mãe, você diz, até, da Teologia da Libertação. De raspão... Eu heim!
6. Bem, se eu, então, sei que não foi de raspão que a Europa passou por aqui, nem mesmo a Europa secularizada, já que o Brasil, sua "Ordem e Progresso", como se sabe, e, por conta disso, fez-se a Teologia uma reflexão não bem-vinda na Universidade por longos cem anos, o Brasil universitário fez-se "positivista" - logo, se a religião grassa nas ruas, a cátedra é asséptica e pseudo-cética. Logo, eu dizia, como posso, ao mesmo tempo, saber que a Europa é, para o Brasil, uma espécie do que Davi foi para Batseba, e, ainda assim, aceitar que eu seja filho dela? Simples - porque isso é fato. Carrego na carne a Europa, para o bem e para o mal. O que eu faço, tento fazer, é escolher, naquilo que me é possível - algumas cicatrizes são indeléveis -, que "tradição", que pathos, abraçar - e, certamente, não é a de um Barth, nem a de um Lévinas (quanto a este, não por conta da Ética, mas por conta da alienação do fundamento de sua pseudo-Ética: já Barth, no todo).
7. Que construção: "bebem avidamente nas bases de um humanismo renascentista que descobriu o clássico e buscou re-fazer sobre outro topos – o homem como medida dele mesmo – essa tão decadente civilização ocidental"! De efeito! Alguma forma de Humanismo, sim, me nutre, mas não, certamente, mais, a renascentista. Obviamente que eu prefiro os valores da Renascença aos da Igreja medieval. Mas há muita água que rolou entre a Renascença, mãe, aí, sim, de Lureto, e o século XXI. Há o empirismo inglês, a Revolução Francesa, o XIX inteiro - e Marx, naturalmente -, há a eclosão irrefreável das "ciências", duras e moles, e, mais recentemente, as Cognitivas - e há, sobretudo, Morin. Morin, um humanista renascentista? Mas nem de longe. Tão pouco eu. Longe de mim, para muito longe, de o homem como medida de todas as coisas, ou o homem como "coroa da criação". No entanto, diante da alternativa Platão x Aristóteles, Agostinho x Lutero (o primeiro, aquele dos cinco minutos antes de transformar-se em papa de uma nova Roma - logo, valeria dizer "Lutero" x "Lutero"). Lévinas x Morin, ah, Jimmy, tem dúvidas sobre que "partido" tomo?
8. O homem não é, para mim, medida dele mesmo, porque essa afirmação desconsidera o que se sabe desde - pelo menos - Marx: que o homem objetiva-se através do "trabalho" (no sentido do Homo faber) na sua relação indissociável com a natureza, de modo que, só, o homem sequer é homem. Assim, é na relação triádica homem - trabalho - natureza (isso está tanto em Marx quanto em Morin, e está em Morin, naturalmente, porque Morin esteve lá), e não num solipsismo pseudo-humanista (e, se solipsismo, alienação) é que se encontra a medida do homem. Aceito, sem luta, que o Renascimento tem aquilo de que, hoje, também me nutro - a Teologia "eclesiástica" (logo, política) é túmulo, e é preciso "renascer" [não é curioso, ilustrativo, que tenham sido os "mortos" aqueles a bancarem, financeiramente, a retórica renascentista, uma vez que foram a Igreja e as coroas os financistas daquele delírio conciliável?]. Mas é aí que paro. Meu lar, hoje, é o XIX, até que ele seja materializado, socialmente, no XXI - se o for. No entanto, sou grato ao Renascimento, aos árabes, a Aristóteles, por ter ajudado a cortar a cabeça de Platão. Nisso, sim, sou renascentista: Platão, vai-te aos infernos! Ah, e leva Agostinho contigo, pelo amor de Deus!
9. Logo, seu parágrafo está bastante prejudicado. E, nesse caso, uma expressão que teria certa força, fica, também ela, prejudicada: "são indivíduos emancipados". À luz do seu parágrafo, "emancipados", apenas, do dogma - falo por mim, obviamente -, da Igreja enquanto norma, lei e topos. Mas, ah, Jimmy, em sentido pleno? Não. Emancipei-me, talvez, intelectualmente. Já não consulto sacerdotes, nem comentários bíblicos sacerdotais, nem o "Espírito Santo", dado o nível de autonomia que me estabeleci. Mas, ah, meu amigo, o homem é um caso perdido, porque sua "felicidade" depende, inexoravelmente, da espécie (encontrei isso em Cântico dos Cânticos, antes de o ler em Mészáros - registre-se!): uma vez que a sociedade humana existe em forma alienada, não me posso desalienar por mim mesmo, idealisticamente. Meu intelecto está relativamente livre, meu olhar, talvez. Mas meu corpo? Não é, Jimmy, hoje, agora, aqui, o capital, quem o determina? Não é uma dor lancinante fazer-se mercadoria o trabalho de refletir e "ensinar"?, tirar, daí, o pão? Não, Jimmy, seu amigo tem todas as chances de morrer desgraçadamente alienado, e a desgraça é sabê-lo. Não me defino pelo cérebro, amigo. Mas pelo corpo - e ele jaz acorrentado pela forma econômica de sua existência sócio-econômica. Lévinas? Não, nada pode fazer para ajudar-me, salvo uma passagem para devaneios místico-mítico-alienantes... Prefiro a dor. Ela é lúcida.
10. Agora, se eu recortar o seguinte citado de todo o restante do parágrafo, ele ficaria (quase) "perfeito": "Seus martelos foram diamantados pela desenfreada avidez crítica do XIX. Marx, Freud, Nietzsche, Feuerbach e Darwin são seus cavaleiros interlocutores. Não há mais lugar para se andar de calças curtas, como mesmo disse Osvaldo (...), depois desses cavaleiros, não há mais como manter-se dentro desse horizonte ontológico-metafísico sem a pena de ser vitima de uma self-deception". Isso, sim, com a ressalva de que eles são, apenas, interlocutores. Não simplesmente os pretendo reproduzir, como se eles fossem meus novos dogmas. Nada disso. Nietzsche mesmo, você sabe, como posso compactuar com seu aristocracismo? De nenhum modo. E, contudo, toda a crítica que ele fez a mim enquanto "teólogo clássico", acatei-as, e concedi-lhe a honra da vitória. Fui ou não "besta de carga"? É, ou não, Gênesis, um livro de sacerdotes, de espírito sacerdotal, ainda que Schwantes tenha tido a idéria mais criativa e engraçada que já vi: pôr a converter-se um sacerdote ao povo para poder fazer da obra sacerdotal uma obra do povo (o que é possível pelo recurso de libertar-se ainda sacerdotalmente esse povo...)? É, ou não, todo teólogo, um mau filólogo? E, no entanto, ele não quer democracia, nem casamento por amor... Logo, esse Nietzsche, eu o ouço como ouço você: se você diz algo que me parece devido, bom, se não, marreta.
11. Mas sua última palavra, aquela com que você termina o parágrafo, é a palavra: self-deception. Aprendi-a com Morin - aquele de Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Eis porque uma Ética ao estilo levinasiano me parece "embuste" - não há base alguma para você apontar o auto-engano que, eventualmente, a engendra: é miragem acintosa, é retórica mística, é solipsismo geográfico, é mito - e ele sabe disso!, Jimmy, ele quer até que eu aceite isso! Depois, sucuri, ele me abraça... Não há engano no mito: salvo se ele é tomado como outra coisa, salvo se você fica olhando, absorto, o ar, com aquela cara bovina, uma nova maconha, eu diria, como se a solidez da vida, a concretude da matéria fosse "ilusão", e a luz verdadeira emanasse da saliva que escorre pelo canto da boca... É lícito? Quero dizer, alguém pode alucinar-se assim? Pode, claro. O que não fica bem é sugerir isso como remédio.
[12. Curioso - quando o pobre fuma craque, é viciado, quando o intelectual fuma mito, é cult...].
13. Self-deception - esse, sim, é meu diabo, o que sobrou. E persignar-me não é eficiente...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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