domingo, 1 de março de 2009

(2009/036) Jimmy ressuscitou (V)


1. Jimmy, eu juro que ia parar, juro, porque achei que depois de quatro reações, todas pontuais, você poderia ficar irremediavelmente aborrecido. Mas aí, entre comendo cinco bolinhos-de-chuva que Bel requentou, e pensar em que jogo eu jogaria agora (ando um pouquinho entediado com os jogos que tenho), fui ler o parágrafo seis, de novo (porque já li o post todo, claro). Aí, Jimmy, não me contive. É uma "pérola"!

2. A começar por essa afirmação: "assim, o horizonte epistemológico da abordagem do fenômeno religioso está dado. Mito e alienação, um psico-socio-diagnóstico de uma racionalidade que busca falar sobre algo, minimamente, intratável". Veja bem, Jimmy, que é uma questão de sintaxe. Nos termos dessa sua fórmula, das duas uma, ou você afirma que o fenômeno religioso - logo, fenômeno antropológico! - é "intratável", ou, sem querer (ou, o que eu consideraria infinitamente pior, sabendo o que estava dizendo), confundiu o fenômeno religioso com a suposta grandeza metafísica que está em sua "base" - "Deus".

3. Como não posso admitir que um Mestre em Ciências da Religião considere seu objeto de estudo - a religião - um objeto intratável, como não posso admitir que um Doutorando em Teologia considere a hipótese de o fenômeno religioso ser intratável, ah, Jimmy, resta a pior das alternativas - você levar a sério, quero dizer, contra-epistemologicamente, que há uma grandeza metafísica - o "sagrado"/"o Deus" (como os confunde Croatto naquele que deveria ser uma impecável Introdução à Fenomenologia da Religião - relacionada ao fenômeno religioso. Isso é fé, Jimmy. É desde a fé que você fala? Nesse caso, tem aqui um interlocutor prejudicado, surdo e de má-vontade.

4. Mesmo beirando ao constrangedor, procurarei pôr os termos em seu devido lugar - ao menos no que diz respeito a uma sadia (a meu juízo) perspectiva epistemológica. O fenômeno religioso, posto que humano, é tratável. Para isso constituem-se as Ciências Humanas, sejam aquelas do pacote das Ciências da Religião ou das Religiões, sejam aquelas mais genéricas, que estudam qualquer fenômeno humano: Antropologia da Religião, Sociologia da Religião, Psicologia da Religião, Fenomenologia da Religião etc. A hipótese metafísica está descartada a priori, e, se o pesquisador quiser ler a experiência do candomblé pela ótica de Exu, que o faça, mas rasga o manual, tanto quanto Barth tornou imprestável a Teologia para a academia, ainda que seja ela, a barthiana, que agora dá aulas no MEC. Revelação, dogma e fé não são métodos de investigação de coisa alguma - são, antes, objeto de investigação: eventualmente, forense!

5. Já a suposta grandeza "sagrado", que você, por essa via de interpretação, chama de "intratável", somente o seria pelo viés da fé - é o fiel quem diz haver o sagrado. A Fenomenologia da Religião, quando não cooptada pela Teologia, reduz essa fé universal, cultural histórica, a um princípio hiperônimo (um conjunto "genérico" dentro do qual estariam, lado a lado, as várias concretizações locais da "fé"). Nesse caso, ainda aí o "sagrado" converte-se em objeto de estudo, e se você leu minimamente Eliade, sabe do que estou falando (esquece Otto, que Otto não faz Fenomenologia da Religião, nem aqui, nem na China: aquilo é Teologia, e pronto).

6. Agora, se o que você diagnosticou de "intratável" é a superfície retórica de um apontamento fideísta para qualquer coisa próxima do que se convensionou, entre os fiés, a chamar de "Deus", ah, Jimmy, sua crítica ao Nicodemus na abertura torna-se despropositada... Se o "intratável", aí, é alguma coisa próxima da idéia de "Deus", Jimmy, ainda que você seja meu amigo, e Nicodemus não seja especialmente ninguém de meu interesse particular, serei obrigado a dizer que a distância entre esse Nicodemus e esse Jimmy é aquela que separa Tillich de Barth - retórica. Até uma eventualmnente pressuposta diferença política reduz-se a nada. Se considero manipulação de consciência religiosa tanto o discruso teológico da direita teológica, quanto da esquerda, como consideraria distintas as "fés" de Nicodemus e sua?

7. "Debaixo do tapete colocamos o intratável", você acusa, e, ainda, depois de ter escrito que, para o fazer, "é só decorar a cartilha de crítica religiosa de um Feuerbach e de um Marx". Quase chego a duvidar de que eu esteja lendo isso. É como se eu apenas repetisse aqueles senhores, depois de ler meio parágrafo deles aqui e ali, eventualmente, até, por meio de terceiros e contra-capas, como se a minha crítica não tivesse minha própria substância, a ponto de você, Élcio e um Justi, por isso constrangido, acusarem-me, na "brincadeira", durante todo um trajeto Rio-São Paulo (três contra um, e eu nem podia descer!), de tirar coisas "da minha cabeça", com o que vocês, naquele momento, queriam denunciar a idiossincrasia esdrúxula e risível de minhas idéias (vocês foram cruéis, e me calei, doído). E, no entanto, agora, acusa-me de decorar o manual da crítica. Decida-se, moço... Com que cabeça, afinal, pensa a minha cabeça?

8. Se, por outro lado, Jimmy, você acha que, por um voluntarismo filosófico-teológico vai poder "tratar" desse coisa eventual que diz ser intratável, e nos seus termos, se pensa que vai falar de Deus, do fogo de Deus, do sagrado - deixe-me assumir, mais uma vez, o papel que Huizinga reserva aos desmancha-prazeres: vai, não, Jimmy, que todas as vezes que o fizer, mente, seja para si, seja para quem deixar-se enamorar das parábolas da fumaça do cachimbo. É a isso que se resume a referência ao "metafísico" mitológico, por mais força que se faça para sair desse atoleiro. Além disso, entregar-se a um palavrório pseudo-místico (uma mística que enfia a cabeça no buraco?), porque Deus é intratável, aí já beira o inominável...

9. Devia, ao contrário, ser um bocadinho assim mais consciencioso (eu escrevera "respeitoso", e, agora, na revisão, troquei a expressão). Se leu metade do que diz ter lido, sabe a hipótese de trabalho e os pressupostos que movem a reflexão romântica (Ciências Humanas) e, recentemente, cognitiva e complexa. Sabe que o compromisso é epistemológico, e, nesses termos, o que quer que haja para além da matéria, do mundo natural, é inominável. Não é jogar para debaixo do tapete, Jimmy, é reconhecer o que é óbvio - e, se não reconhece isso, deve ter suas "razões". Não vou me intrometer nelas, mas vou, sim, dizer que você está, segundo os cânones da Epistemologia, assumindo uma posição platônica - depois de tê-lo defenestrado em seus textos de inauguração juvenil. Platão é o pai do dedo que aponta o "Mistério" - chame-o, você, de "intratável", faz o mesmo que Platão fazia. As conseqüências, Jimmy, são as mesmas. Não vou repeti-las a um Mestre doutorando...

10. Para encerrar, você conclui assim seu parágrafo, na verdade, abrindo-o para outras "acusações", das quais já tremo: "Os cavaleiros do XIX foram avassaladores, como avassaladora é a pena dos meus amigos blogueiros. Competentes (des)construtores de dogmas, filólogo(s) da mais alta estirpe (lêem como ninguém a tradição), continuam a grande tradição muito bem sintetizada pelo racionalista kantiano, filósofo e historiador da religião Ernest Troeltsch". Que "bomba" há de explodir em minha cara, agora, subitamente, transformado num troeltschista. Se ele disser metade do que você disse, mando-o, a ele, ao inferno, que a você tolero um pouco mais porque, de certa culpa, a culpa é toda minha...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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