1. Não sei como foram as experiências de Nietzsche no ambiente de sua casa paterna. Faltam-me as leituras a respeito. Porém, arrisco um palpite. Lá deve ter predominado uma ética protestante ou evangélica rígida. As cenas que me vem à mente são algumas do filme A festa de Babete, que retrata aquele rigorismo protestante, luterano, legalista, piedoso, evangélico, no qual a alegria, a espontaneidade, o espírito alegre em torno de uma boa comida e uma boa bebida não tinham lugar. O zelo, o trabalho, a coerência e a honestidade eram valores ‘em alta’.
2. Desse ambiente, assim ouso arriscar, brota a insistência e a ênfase de Nietzsche na coerência e a honestidade. Por isso, assim imagino, dando a mão à palmatória do melhor juízo, que ele insiste tanto no tema da mentira. A mim me parece que esse valor vem primeiramente de suas raízes pietistas. Depois, claro, foi reforçado pela crítica dura e necessária trazida na esteira do seu desencanto com seu próprio ambiente originário, o cristianismo de vertente luterana. Por isso leio seus textos como expressão da autenticidade de pensamento e reflexão. E aprecio esse espírito, mesmo que não comungue de muitas de suas palavras, brotadas em demasia de um aristocratismo arrogante.
3. Aprecio também muito o meu amigo Osvaldo. O seu último post é duríssimo. Há coisas muito duras para quem crê e ainda prega! Lá no post Osvaldo ressalta coerência e honestidade. Acho que ele também fala primeiramente, como Nietzsche, com o qual sinergiza, de um ambiente evangélico para dentro do qual se converteu e no qual tais valores estavam em alta. Zelo e fundamento também estavam presentes e estão presentes nos seus textos.
4. Há um trecho do post que me chamou especial atenção: “diante do espelho, só há você e aquele que, ali, desde seus próprios olhos o constrange. Não há outra consciência diante da qual se deve levar a sério a condição humana”. Aí, Osvaldo, assim me parece, se expressa a partir da mesma raiz da autenticidade, de coerência, de contestação e de reprovação da mentira e do engodo tão em voga. Ao fazê-lo, remete à própria consciência como o recurso e juiz último das ações humanas.
5. A temática de muitos dos posts tem sido a reflexão crítica sobre a possibilidade e o advento de uma teologia pós-metafísica. Neste sentido li com proveito o livro Aprender a viver – filosofia para os novos tempos, do francês Luc Ferry (Rio de Janeiro: Objetiva, 2007). Após um repasse muito proveitoso pelas etapas ou momentos da história da reflexão filosófica, Ferry chega, na última parte, a refletir sobre um “humanismo não metafísico” como sendo sua proposta para superveniência da transcendência e da vigência de valores 'absolutos' em época pós-desconstrucionista. Passo a citar uma passagem que destaquei na leitura:
5.1 “Há mesmo uma transcendência de valores, e é essa abertura que o humanismo não metafísico, contrariamente ao materialismo que pretende tudo explicar e tudo reduzir, quer assumir – sem aliás, nunca alcançar. Não por impotência, mas por lucidez, porque a experiência é incontestável, e nenhum materialismo consegue verdadeiramente dar conta dela.
5.2 Há, pois, transcendência.
5.3 Mas por que “na imanência”?
5.4 Simplesmente porque, desse ponto de vista, os valores não são mais impostos a nós em nome de argumentos de autoridade, nem deduzidos de alguma ficção metafísica ou teológica. Certamente descubro, não invento a verdade uma proposição matemática, tanto quanto não invento a beleza do oceano ou a legitimidade dos direitos do homem. Todavia, é em mim, e não em outro lugar, que elas se revelam. Não há mais céu das idéias metafísicas, não há mais Deus, ou, pelo menos, não sou obrigado a acreditar nele para aceitar a idéia de que me encontro diante de valores que ao mesmo tempo me ultrapassam e, contudo, não estão em nenhum outro lugar, visíveis apenas no interior da minha própria consciência” (p. 271).
HAROLDO REIMER
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