quarta-feira, 12 de novembro de 2008

(2008/41) Tradição e crítica


1. No seu post 2008/38, Osvaldo afirma: “A pertença à tradição, a meu ver e juízo, logo, a meu risco, não se faz apenas necessariamente pela recitação de "textos fundantes" - pode-se fazê-lo pela sua crítica. É o meu caso.” Nisso estamos de acordo. Não só na primeira parte, mas também na frase final. Vejo-me igualmente, crescentemente, no caminho da crítica.

2. Creio que esse deveria ser, primariamente, o caminho de todo exegeta. Exegese histórico-crítica, ou melhor, exegese histórico-social com viés fenomenológico não pode ficar presa às representações ‘oficiais’ dos textos. Portanto, não só repete. Um exegeta histórico-social sabe, ou deveria saber, com que receita as representações – incluídos aí os ‘textos fundantes’ - são construídas e qual é a sua funcionalidade retórica com vistas à práxis. Assim desvenda os meandros, expõe resultado e processo. Isso é método; é consciência histórica do seu fazer.

3. Destaco um parágrafo do livro de Rainer Kessler, Sozialgeschichte des alten Israels – Eine Einführung [História social do antigo Israel – Uma introdução], em cuja tradução me encontro empenhado há algum tempo e que provavelmente deve estar acessível a leitoras e leitoras no Brasil: “A interpretação bíblica histórico-social atua no sentido contrário a todas as tendências de encobrimento, de embelezamento e de harmonização, encontráveis a qualquer tempo na história da sociedade humana, e que também podem ser encontradas em âmbitos da escritura bíblica; deste modo os reais conflitos sociais de ontem e de hoje são mencionados e criticamente contrabalanceados em sua carga ideológica. As conseqüências de tal interpretação bíblica histórico-social estendem-se até para dentro de questões teológicas práticas, de modo que com um pouco de exagero pode-se dizer que a própria interpretação bíblica histórico-social se evidencia como parte de uma teologia da libertação”.

3. O método histórico-social desvenda as molduras, os arcos. Seu foco, porém, não se concentra só nas grandes narrativas. Busca as pequenas unidades, que em outro post tentara chamar de ‘pedras’. Não tinha em mente metáforas. Pensava em ‘pequenas unidades’, cheias se sentido, com pó e sangue da história de pessoas. Aí começamos a “escovar a história a contrapelo”, como afirma Walter Benjamin.

4. Lembro aqui de um citado de meu grande mestre Milton Schwantes, a quem devo a iniciação no caminho da exegese. “A dinâmica social que produziu perícopes literárias deve integrar nossa hermenêutica de reapropriação e atualização de tais escritos. Se os dissociamos de suas origens, talvez corramos o risco de entregá-los de mão beijada aos detentores do poder...”.

5. Exegeta também recita tradição. Faz-o, porque a própria tradição é marcada pela contradição. Nunca é monolítica. O labor crítico ajuda a promover o empoderamento daqueles e daquelas que hoje caminham em pó e sangue.
HAROLDO REIMER

Um comentário:

Joe Black (Joevan Caitano) disse...

Haroldo, gostei do seu ponto de vista sobre exegese...
adorei vc ter citado o guru MILTON SWANTES...ele é fera...sujeito heidelberginiano.

abçs

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