quarta-feira, 12 de novembro de 2008

(2008/40) Sobre o paradigma teológico de Hans Küng


1. "Precisa-se de uma teologia feita a partir do atual horizonte de experiência, uma teologia rigorosamente científica e, portanto, aberta ao mundo e orientada ao presente. Parece-me que só essa teologia merece hoje um lugar na universidade, ao lado das outras ciências" (Hans KÜNG, Teologia a Caminho, p. 196 [para a "tensão", difícil de ser relaxada, entre a plataforma proposta e a "tradição", não coincidentemente com base em Tillich, ler todo o parágrafo de onde extraí o citado; por exemplo: "como não pode haver uma teologia separada do mundo, tampouco pode haver uma teologia separada de Deus!"]).

2. E, contudo: "nós, teólogos de um novo paradigma, estamos confrontados com paradigmas tradicionais, muito enraizados, tenazes e longevos (...) Neste contexto é importante não perder de vista a solidariedade. Toda provocação e confrontação mútuas em teologia, por mais legítimas e necessárias que sejam, não devem levar à autopromoção, à defesa de interesses particulares, ao isolamento ou à separação. Pelo contrário, deveria conduzir ao entendimento espiritual, a um mútuo enriquecimento e a uma transformação de todos. O único objetivo disso poderá ser a união de todos que, dentro de um paradigma pós-confessional, pós-colonial, pós-patriarcal (...) se interessam pela libertação integral do ser humano" (Idem, p. 211). Note-se: paradigma pós-confessional. Mas a tensão permanece: "o trabalho dentro da teologia cristã" (grifo meu), ele escreve na seqüência. É 1987, quando Hans Küng escreve isso. Ano de minha entrada no Seminário (batista). E Hans Küng, ainda, por mais que faça hercúleas forças para rasgar a dogmaticidade da teologia cristã (e aí está orientado também em face da Instituição), ainda trabalha, como teólogo, tendo por base aquela teologia.

3. Essa tensão, essa reclusão (também Tillich fora considerado um "teólogo provinciano"), pode ser medida por seu cantus firmus:
"uma teologia que, numa nova era, tenta ser ao mesmo tempo duas coisas: 1) católica (...) 2) tradicional (...) E, além disso: 3) cristocêntrica (...) 4) teórico-científica" (Idem, p. 199). Não é à toa que, quando escreve Por que Ainda Ser Cristão Hoje?, ele reunirá, como se possível fora, teologia histórico-crítica, exegese histórico-crítica e a "adesão", a "fé" - por meio do método histórico-crítico! - em Jesus. Porque, para Hans Küng, que com uma mão destrona a dogmática e, com a outra, assenta a fé em Jesus, uma teologia pode ser, ao mesmo tempo, "cristocêntrica" e "teórico-científica". Epistemologicamente? Tenho graves, agudas, terríveis dúvidas quanto a isso.

4. Finalmente, para que não paire dúvida sobre o paradigma acadêmico e científico com que Hans Küng postula trabalhar, basta ler:
"tanto a dogmática como a exegese exigem uma atitude científica ante a verdade, discussão crítica dos resultados e comprovação crítica dos problemas levantados e dos métodos. Como a Bíblia (cf. Vaticano II), o dogma requer uma interpretação histórico-crítica. Como a exegese moderna, a teologia dogmática precisa seguir uma hermenêutica rigorosamente histórica e mantê-la sem compromissos" (Idem, p. 225-226). Sim, "de fato, o abismo entre a exegese e a teologia sistemática é a grande falha da teologia dogmática atual!" (p. 225). Porque "uma exegese com fundamento histórico-crítico exige uma teologia dogmática feita com responsabilidade histórico-crítica" (p. 225).

5. A única observação que faço diante do que o conjunto de tais citados revela é que eles se referem a um recorte, apenas: a teologia cristã. Por alguma razão, o profundo compromisso de Hans Küng com a perspectiva histórico-crítica não é suficiente para fazê-lo olhar por sobre o muro. A rigor, quer-me parecer que se pode, de um lado, considerar que o paradigma de Hans Küng é, mesmo, "Institucional", já que, nos termos em que põe a questão, não vai além, muito além, do Vaticano II (cf. o posterior A Interpretação das Escrituras na Igreja, publicação institucional de Roma). Contudo, não terá o Vaticano II sido "vítima", a seu tempo, de uma estratégia histórico-crítica? O que faltaria a Hans Küng, talvez fosse o que me sobra: estar metido numa situação nova, um cenário novo, no qual o MEC põe, na mesma sala, e manda brincarem bem-comportados, teólogos de todas as orientações religiosas. Hans Küng ainda está sozinho na sala. Eu, cercado de colegas de outros mitos, de outros dogmas, de outros deuses.

6. Minha atitude é a seguinte: aceitar, incondicionalmente, a plataforma histórico-crítica, científica, eistemológica, crítica - a mesma que Hans Küng abraça e postula como única e legítima para a academia. Concordo. Segundo, desprovincializar-me (à crítica de que era provinciano, Tillich reagiu confessando que pecara, quando decidira lidar apenas com a secularização: o modo como ele reagiu à crítica dá a entender que interpretou seu provincianismo como referindo-se a um "ministério", uma "província", restrito apenas ao diálogo com e contra [palavras dele] a secularização, tendo deixado de lado [pecado!, daí a "confissão"] a História das Religiões, com quem podia e contra quem podia ter, também, "dialogado"), o que eu interpreto como uma abertura paradigmática ao diálogo crítico e heurístico com a Teologia ampla, agora, sim, verdadeiramente "católica", se me faço entender. E isso num paradigma pós-confessional.

7. Uma boa Teologia latino-americana, de cujos valores éticos muito honestamente me afeiçôo (mas é uma afeição burguesa, de não engajamento, confesso), ainda que não necessariamente de algumas de suas práticas exegéticas, insta-nos, insta-me a abandonar, e tento fazê-lo com alegria, os paradigmas colonias, quiriarcais, patriarcais - mas é tempo de também ela abandonar o paradigma confessional. Peço muito a quem me pediu tanto? A diferença, contudo, é que não me esforço mais a assumir paradigmas pós-patriarcais, pós-quiriarcais, pós-coloniais, pelo fato de ter sido e ainda ser ela e me pedir que os assuma, mas pelo fato de tais valores serem legítimos e éticos em si mesmos, ainda que houvera sido o diabo a apresentá-los. A Teologia, contudo, ai de nós, não vê como legítimo e ético que se desfaça do paradigma confessional.

8. Marx, Karl Marx, estará certo? Haverá uma condicional alienante na religião? Quero dizer, que não se pode mover a rogos? Mas logo nela, que só sabe pôr outros a mover?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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