1. Os dias são tais que não permitem a simplicidade de um "sim" ou "não", à moda antiga. A Teologia com a qual sonho perdeu a capacidade de dizer "sim" ou "não" diante da fé. Antigamente - antigamente? - bastava optar-se entre "teísmo" ou "ateísmo". O teísmo tornou-se, ultimamente, tão igual ao teísmo que já escreve apologias! As caravelas se perfilam. Os canhões, como garras de ferro e fogo, expõem-se. Os marujos, excitam-se da excitação da guerra. Bum!, fogos teístas e ateístas a destruir naus e belonaves uns dos outros, bolor a comer bolor, bílis contra bílis. Divertido, não fosse trágico.
2. Talvez labore em equívoco (aceito o risco) - a Teologia que eu espero e anuncio considera essa alternativa anacrônica, imprestável para o bem, nociva. Não há como saber. Aprendemos muito sobre como elaboramos nossos mitos narrativos, e, se não há como fugir da escrivaninha, há que se lidar com eles com a consciência de que são invenções e imaginações - criatividade em ação, cenários noológicos para a nossa movimentação sobre o "real". Mas, não, o "real".
3. Não há como saber se há alguém ou alguma coisa do outro lado. Ah, sim, tudo indica haver mesmo "um outro lado" - mesmo o Big Bang o pressupõe. Mas o que seja ele, e o que haja lá, impossível saber. E impossível de um tal jeito que, se um dia chegarmos a atravessar a membrana, surpresa!, ainda estaremos no lado de cá. Como, pois, insistir nisso? Seja um, seja outro, ambos mitos são invenções. O que há de "certo" nisso são as rotinas com as quais racionalizamos nosso mitos - teísmo e ateísmo. Siameses.
4. A Teologia que me chama abandonou essa questão. Acolherá o mito - como mito. Lidará com ele com carinho e sutileza, perspicácia e inteligência. Sobretudo, saberá que ela mesma o inventa, dia após dia, porque sabe que, sem mitos, não tem como dar um passo sobre a Terra. Mas não construirá nem encherá com ele um novo "depositum fidei". A fé, para ela, não consistirá em adesão a fórmulas cripto-políticas e pseudo-metafísicas. A fé, para ela, será uma atitude de lidar com o mistério, uma curiosidade de fundo, uma seriedade, que até chegará a usar nomes, gotas de mito, as "idéias fracas", de Morin, nomes que se escrevem na areia, e, com o pé, à tardinha, se apagam - seja tu, seja o próprio mar.
5. É curioso que a Renascença tenha chamado túmulo ao milênio que a precedeu. Em certo sentido, grande parte do Ocidente ainda dormita na cova. É preciso levantar, eu acho. Voltar. Começar tudo de novo. Manter o que foi bom. Jogar fora o que foi mau. Piedosamente, sem dó nem piedade. Não basta brincar de metáfora, e, com isso, manterem-se as aparências - é para isso que servem as metáforas político-teológicas: somar o velho ao novo, e manterem-se as peças no tabuleiro. Tem-se que construir um novo jogo, cujas "regras" não sejam mais as de Platão ou Aristóteles, mas aquelas possíveis de serem negociadas a partir do Romantismo.
6. A "velha" Teologia, crispam-se-lhe os pelos da nuca diante dessa palavra. Persigna-se. Genuflexa, ela ora e reza, e esparge água benta. Exorcismo. A "nova", não. A "nova" enamora-se dela, e, como duas serpentes entrelaçadas, dançam até a exaustão. Como pode ser, meu Deus, que descobrirmo-nos livres de ti nos conceda tamanha alegria e liberdade? Se minha hipótese estiver correta, Deus, agora, responderia: "como assim, filho da terra, livre de mim? Não eram meus, filho, aqueles grilhões, nem era eu o tempo todo".
7. E quem diria - libertar-me, libertar a Teologia, libertar Deus, ser a maior das heresias...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
3 comentários:
Olá, aqui é o Robson Guerra.
O blog tá demais, Osvaldo.
Ah! A "velha" Teologia...
Esta semana ouvi que Teologia é Teologia se partir da fé, se não, se ela for crítica, não é mais Teologia é Filosofia da Religião.
Pensei comigo mesmo: "bem, se for realmente assim, que seja, serei filósofo da religião!". Mas, não acredito nisso, não mais.
Depois que descobri a respeito da possibilidade de uma Teologia crítica, histórico-crítica, científica, não quero mais saber da outra.
A possibilidade de fazer uma nova Teologia me fascina.
Tudo começou numa aula sua, Osvaldo. Teologia e método. Você falou dos dois tipos de Teologia. O segundo tipo me chamou a atenção. Era uma coisa nova. A partir desse dia meus olhos voltaram pra minha cara.
Quero essa nova Teologia também. quero respirar ar fresco. Pensar livremente e caminhar um novo caminho. Um caminho que se faz enquanto se caminha. É respirar fundo e seguir em frente. (Será que atrás vem gente?)
Olá, Robson. E eu que não gosto de dar aulas... Pudesse, só pesquisava e escrevia. Dar aulas cansa, impacienta, ah, espurrar caminhão ladeira acima... Por isso abandonei a vocação pastoral. Se não gosta de gente, se não se consome por elas, vai cuidar de objetos. Em aula, então, tento ficar nu, e deixar-me ser visto. É o que sei fazer. Não sei se é bom. Mas, para mim, não quereria outra coisa.
Essa Teologia "nova" tem seus perigos. É preciso um tão alto grau de atenção e lucidez... Se não, acabamos trocando metafísica por metafísica, só porque uma é mais bonitinha do que a outra.
Trata-se, antes, de um novo jeito de ser teólogo e de fazer teologia - com céu de chumbo e a intransponível barreira de saber se o que inventamos é real.
Sugiro a leitura do volume quatro de O Método, de Morin - "As Idéias". Essa nova Teologia ou passa por ali, ou morrerá na placenta.
Um abraço, Robson.
Muito bom - muito... Hiran Pinel
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