Dou aulas de Teologia desde 1993, e, de Exegese, há pelo menos 20 anos. Desde sempre, no início menos, hoje mais, ouço que minhas aulas - e, de resto, de professores acadêmicos de Bíblia (raros, já que a maioria trabalha para a igreja e a doutrina) - desconstroem a Bíblia. Uma ou outra vez algum aluno abandonou o curso e alegou que não pode ver a Bíblia ser desconstruída. Mas mesmo os que ficam até o fim brincam sobre isso: não sobra nada na Bíblia, caçoam...
Bem, é falsa a declaração, sejam sérias, sejam brincalhonas. Falsa como quem diz que a religião melhora as pessoas. Nem a religião melhora as pessoas, apenas as controla, mas, quando ela se vai, eles se tornam piores do que eram, nem as aulas acadêmicas de Bíblia (se são aulas mesmo) desconstroem a Bíblia. O que ocorre é que aquilo que o aluno aprendeu vai pro ralo, porque aprendeu tudo errado. A ideia que ele fazia da Bíblia, o que lhe ensinaram, o que lhe disseram, o que lhe juraram, nada disso tem substância, fundamento e veracidade. Pode ter valor para a denominação religiosa, para rotinas de controle social, mas, do ponto de vista histórico, estão completamente erradas.
Trata-se da Tradição. É ela quem se esboroa, como pau comido por cupins. Vira pó. É que a Tradição é como o resultado de anos e anos e anos de terremotos, e os escombros vão cobrindo, ininterruptamente o chão. Para você realmente enxergar a Bíblia, tem de tirar todos esses seculares e milenares escombros, camadas inteiras, entulho, lixo. No final, o que você vê é tão radicalmente diferente da ideia que você fazia, da catequese, das doutrinas, daquilo pelo que você mataria e morreria, que sua defesa é dizer que a Bíblia foi desconstruída...
Uma analogia. Você casa com uma mulher. Diz que a ama. Tem fotos dela. Exibe-a nas redes sociais. Desfila com ela. Ela é uma santa. Tem a pureza do limão do Djavan... Um belo dia, contam a você que, na verdade, ela já era casada, tinha sete filhos, chamava-se por outro nome, e era funcionária de um prostíbulo bem frequentado na Augusta. Sua esposa foi desconstruída? Não. Ela é e permanece quem sempre foi. A ideia que você tinha dela é que se revelou falsa. O que você fará dependerá de seus reais sentimentos: a) se você realmente a ama, então não importa o que descobre sobre ela, ainda a amará; b) mas se na verdade você amava apenas a ideia que fazia dela, quando descobrir quem ela realmente é, passará a odiá-la. Ou ainda ocorrerá uma terceira situação: c) o tonto que lhe vier a dizer quem realmente sua esposa é, na tentativa de lhe tirar de sua situação de alienação cognitiva, há de ser objeto de seu mais profundo desprezo e ódio, e você fingirá que sua esposa não é quem ela realmente é, mas a ideia que você fez dela, e continuará amando a miragem, desfilando com a miragem, ostentando a fantasia...
Ah, e funciona.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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