Em Interpretando o Sagrado, Paden diz que a corrente de Durkheim se apresentou como terceira via. A corrente interna tratava a religião pelos seus próprios termos. A corrente crítica tratava a religião como ilus]ao. E Durkheim tratou de considerar a religião não uma ilusão, mas um componente - e forte - da própria sociedade e cultura. Eu acho que há aí um equívoco enorme...
Do modo como Paden escreveu, dá a impressão de que a corrente crítica considera a religião uma ilusão que está apenas na cabeça das pessoas. É uma tolice essa interpretação, desculpem-me a franqueza. Ora, com essa ilusão, e Marx sabia disso, a Inglaterra erguia indústrias e manipulava as pessoas. Ilusão, aí, é um juízo a respeito da condição eidética, ontológica, da religião, como Feuerbach fizera antes: pura projeção humana. Mas em nenhum momento significa que a religião constitui um elemento extrínseco à sociedade.
Tenho muito mais a impressão que o que a terceira via faz é negar-se a operar o juízo crítico. Ah, deixa pra lá, se há deuses ou não, isso não faz a menor diferença: veja, as pessoas agem como se houvesse. Logo, é um fato social. Não me parece uma terceira via isso. Isso continua sendo leitura crítica, mas abortada no meio do caminho. É ler o fenômeno apenas com um olho, e recusar-se a fazer a crítica da essência da religião, cara ao século XIX.
No fundo, Durkheim pende para a primeira corrente: uma vez que não emite juízos críticos sobre a condição da própria religião, de sua sustentação interna, perfila-se com o discurso religioso, considerando irrelevante a denúncia do vazio referencial do discurso religioso. De modo que os crentes podem ser honestamente durkheimianos (conheço inúmeros!), mas somente podem ser críticos fraudulentos.
O Durkheim de Paden torna possível ao religioso fazer pesquisa da religião, porque não exige dele um veredicto sobre si mesmo.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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