A principal diferença entre a Revolução Francesa e o que ela representa em termos de construção de uma plataforma de civilização e o modelo que ela pretendeu substituir é que, em uma, reinam os deuses, e, no outra, os homens.
O papel que os homens representam na plataforma "moderna", democrática, laica, de direito, é tão mítico quanto o papel que os deuses ocupavam na antiga plataforma, religiosa, monárquica, aristocrática. Os deuses e os homens, nessas plataformas, são rotinas retóricas, com as quais se tenta construir um Norte, um Rumo, um Caminho, um Modelo.
Na prática, permanece a vida concreta, para além e para aquém dessas rotinas.
Avançou-se, naturalmente - e quanto! O que os deuses queriam para os nobres, para os donos do mundo, agora os homens querem para todos. Felicidade, que antes era direito da aristocracia, agora é direito de todos. Casa, terra, pão, família, que, antes, os deuses garantiam aos fortes, aos poderosos, às classes dominantes, á elite, aos ricos, aos nobres, agora, na nova plataforma retórica, os homens garantem a todos, homens, mulheres, negros, gays, pobres, asiáticos, africanos, esquimós, zulus, maoris, deficientes, doentes, todos.
Não se tratou de uma mudança de sonho - tratou-se apenas da sua democratização, da sua ampliação irrestrita - retoricamente falando, claro.
No fundo, é isso que aborrece quem guarda o sonho aristocrático.
Com as ruas lotadas de automóveis, engarrafamentos monstruosos se instalando, você escuta a indignação do neo-aristocrata: pudera, qualquer um quer ter um carro! "Qualquer um"... Leia-se: os sem-direito...
O modelo automóvel nunca aborreceu essa gente neo-aristocrática. Nunca. Agora, aborrece, porque as ruas estão cheias deles, porque o mundo está cheio de gente comum, pobre, neo-classe média, que, com 300 reais, paga a prestação de um Gol. Aí, a retórica muda: automóvel é uma aberração civilizatória! Mas só agora, porque é popular, é para todos...
Religiosos e neo-aristocratas são iguais nesse sentido. Os dois querem o retorno dos dias antigos, nem tanto porque eram os dias dos deuses, mas muito mais porque eram dias em que os deuses estavam a serviço dos privilégios. Deles, naturalmente...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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