Não escondo minha predileção pelo recorte sapiencial da Bíblia Hebraica, principalmente quando se trata de Eclesiastes e Cântico dos Cânticos.
Numa palavra, sacerdotes põe o foco nos ritos religiosos. Profetas o põe na caridade, isto é, nos outros. A sabedoria o coloca em nós mesmos.
Um sacerdote diz: vai ao culto. Um profeta diz: alimente o faminto. O sábio diz: bebe teu vinho.
Lá, não se trata de um projeto, com três táticas: são três projetos diferentes - um pode facilmente viver sem o outro.
Pergunto-me, todavia, se o projeto sapiencial não revela a ausência de compaixão, de misericórdia, de empatia - já que os sábios não eram propriamente gente pobre...
Mais ainda: temo que a sabedoria naturalize o sofrimento, a in justiça. Eclesiastes, depois de descrever que tudo é névoa, bruma, vapor, contraditório, breve - que o justo padece e o ímpio prospera, que todos, do rei ao bicho, morrem e tudo acaba -, recomenda que a solução é, pois, comer, beber e amar...
Por que ele não prescreveu rotinas de transformação social?
Porque é um "burguês", provavelmente, um conservador. Naturalizada a pobreza, a injustiça, ele pode entregar-se à sua vida tranquila e feliz, sem culpa.
Afinal, a vida é assim...
O sábio, se já não é, está a um posso de ser um cínico.
Resta o atenuante de que essa naturalização e esse cinismo foi posto, mais tarde, na boca do messias: os pobres, bem, os pobres sempre estarão por aí...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Estou me debruçando, de fato, sobre esses "3 projetos" bíblicos e, tentando me esvair de pensamentos religiosos, olho para a vida de Jesus, que (tirando o sentido religioso) foi o que teve mais astúcia, coragem e respostas fortes a todo tipo de hipocrisia...
... me pergunto (e não é uma pergunta retórica, mas uma pergunta mesmo): Jesus não conseguiu viver "cada momento um projeto"? Ou seja: onde se exigiu sabedoria de viver em paz ele caminhava, bebia, ia à festas. Quando se exigia uma "caridade" ele curava os doentes e ensinava a dar mais do que receber, e ainda assim mantinha uma certa "rotina religiosa" com suas orações em particular, e seus ensinamentos no templo.
Dos três projetos, o que Jesus menos fez foi o sacerdotal, porque quando ele se usava dos meios sacerdotais (o templo), ele ia para ensinar que a verdadeira religião está no interior do homem e não em sua exterioridade, e que religião era amar ao próximo...
Penso que Jesus viveu um misto de viver sabiamente (curtindo a efemeridade da vida), viver caridosamente (como um profeta, denunciando as mazelas da sociedade) e, quando se trata do projeto sacerdotal, ele "puxa" para o profético, o amor, o dar, denunciando práticas hipócritas, legalistas, vazias de amor.
O que você acha?
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