A leitura doutrinária de textos - também bíblicos - opera de fora para dentro. Decidida - desde sempre - a doutrina, entra-se no texto e se faz o texto concordar com ela. 99,99% das leituras bíblicas funciona assim...
Então, a pessoa muda de ambiente - entra, agora, no ambiente acadêmico. Sai o pastor/pregador e entram os livros/dicionários. O que os livros e dicionários dizem do texto, lá vai a pessoa a fazer o texto dizer isso.
Percebem que não mudou nada?
Percebem que a operação mental/instrumental é a mesma? O que eram doutrinas/pregações, agora são livros/dicionários/professores. O texto permanece lá - quadro de escrever nele as palavras da gente.
Exegese não pode ser isso - não, ao menos, se o que você quer é entender o texto em sua dimensão histórico-social de origem.
A operação de ser:
a) entrar no texto, só, maximamente só e analisar palavra a palavra em sua relação sintática, bem como o tecido da narrativa, suas linhas de força, suas declarações, seu horizonte de sentido. É reconhecer o terreno, como quem visita um campo e passeia por ele, analisando a flora e a fauna, ainda que não tenha nomes adequados para os espécimes.
Depois que você tem controle sobre o texto, você reconhece que domina partes dele e não domina outras. Mas você tem pé no chão, já pode pegar alguém em flagrante equívoco, se ele diz que há uma colina à direita, e não há.
Agora, sim, é hora de ir para a literatura. Se for antes, vai ser domesticada por ela. Indo agora, dialogará.
Quando li o Sl 53 para, pela primeira vez, fazer uma exegese séria dele, sem que eu tivesse a mínima ideia, eu percebi que os benê 'Adam - que as versões cometem a atrocidade de traduzir como "filhos dos homens" (mas é ou filhos do homem ou filhos de Adão, jamais dos homens) - não podiam ser os pobres: eles eram os opressores do povo de Deus, eram os donos da cidade. Tinha de ser a liderança.
Quando fui à literatura, sem exceção, todos diziam que eram os pobres. Aqui, eu podia ter parado. Mas eu conhecia o terreno - dizem que aquela árvore é um carvalho, é não é, é ipê, eu sabia - eu vi.
Fui, então, à Bíblia e traduzi todas as ocorrências: não tenho a menor dúvida de que benê 'Adam seja o conjunto político da liderança da cidade, e cujo cabeça é o rei. Em seis passagens bíblicas isso é indiscutível.
Essa é apenas uma amostra de como não se pode tomar o que a literatura diz e ir com isso para os textos - você repetirá o processo de ouvir autoridades. Você tem de ir ao texto, tomar conta dele, fazer o reconhecimento, tornar-se íntimo dele e, só depois, ir para a literatura.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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