domingo, 24 de março de 2013

(2013/336) As "leis" não estão no mundo porque estão nos Dez Mandamentos - estão nos Dez Mandamentos porque estão no mundo: da condição histórico-social das "leis" e dos "valores"


1. Nas classes de novos convertidos e, depois, nas classes de "educação cristã", ensinaram-nos que os valores que estão no mundo circulam entre duas origens - ou Deus ou o diabo: os valores de Deus são aqueles que estão nos Dez Mandamentos - isto é, nas Escrituras, e que, das Escrituras, ganharam o mundo, encontrando abrigo nos corações que Deus conquista...

2. Bonito enredo de ficção...

3. Não é verdade que os valores estão no mundo porque estão na Bíblia, no Antigo Testamento, no Novo Testamento, nas Escrituras, nos "Dez Mandamentos". Não. A verdade é o contrário: estão lá porque, primeiro, estavam no mundo...

4. Os escritores da Bíblia nada mais fizeram do que compilar valores e leis que circulavam entre eles. E mais, esses valores e essas leis sequer foram criadas por eles - circulavam há séculos no Antigo Oriente.

5. Um exemplo: amplie a imagem abaixo e contemplo uma das mais magníficas expressões de "lei" e "valores" compilados por um monarca - Hamurabi - babilônico, que viveu e reino no século XVIII antes de Cristo, quinhentos anos antes de "Moisés" (se tomado como histórico). Uma quantidade enorme de "leis" e "valores" do Antigo Testamento são recepções e adaptações dessas leis mais antigas - e havia "legislações" ainda mais antigas,  como as leis de Eshnunna, no Brasil traduzidas por meu orientador de doutorado, Prof. Dr. Emanuel Bouzon.



6. No século VI e V, Judá tomou todas as leis que circulavam civilmente em Israel e as converteu em "leis divinas" (leia A Torá, de Frank Crusemann). Desde então, ensinamos, equivocadamente, que esses valores são "divinos" e, por isso, circulam entre nós. Mas isso é falso: nós os projetamos em Deus, para os justificar, porque os escolhemos com bons valores - a despeito de que alguns são perversos e, mesmo, diabólicos.

7. Com o passar dos séculos, os valores foram sendo filtrados, peneirados, aperfeiçoados. Mas ainda eram tratados como "divinos". Ainda no século XVIII, Voltaire ainda defendida que o povo tem de ser ensinado a crer que os valores sociais são de Deus, para que os obedeça...

8. Na virada dos séculos XVIII e XIX, o Ocidente inventou um modo "laico" de convivência, os Estados Democráticos de Direito e, nesse jogo social, assumiu-se, sem escamoteações, a condição humana, política e plural dos valores.

9. Hoje, eles são decidimos em legislações negociadas em câmaras de legisladores, representantes da sociedade. Todos podem opinar, defender seus valores - nenhum deles é divino. Alguns são bons para todos, outros, ruins para todos, outros, bons para uns e ruins para outros. O jogo democrático é lento, deve-se negociar, é lento, deve-se ter paciência, é  lento, deve-se aprender.

10. Mas é preciso, definitivamente reconhecer que os valores e as leis, que nasceram com os homens, estão, de novo, nas mãos dos homens - é preciso impedir que se tornem, outra vez, "divinos", para que meia dúzia de sacerdotes não tornem malditas pessoas que não dançam a música divina que eles compõem em seus intestinos...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito interessante! Como somos racionalmente irracionais! A verdade é na maioria das vezes aceita e não compreendida. Conversar sobre isso com um leigo e crente é muito difícil, principalmente quando não há "Abertura", como diz Darci Dusilek.É realmente cansativo, mas acho que não se pode calar. Apenas temos que criar uma forma de nos defender dos sentimentos de frustração ao constantemente ouvir os nonsense usuais. É a maneira de nos dar também um pouco de qualidade de vida e força para continuar sem nos abater, mas vigiando para não nos tornamos insensíveis aos outros.

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