terça-feira, 19 de março de 2013

(2013/276) Sobre a "história de José do Egito"


1. Podem discordar à vontade. Não tem problema. Em todo caso, eis o que penso sobre a "história de José do Egito".

a) trata-se de um midrash, uma história produzida pela criatividade teológica e literária de escribas judaítas a partir de "brechas" da tradição;

b) o midrash é composto na forma de uma "tragédia" - o que, para mim, indica período de redação helênico (século IV, mesmo III): nos moldes do roteiro de uma "tragédia" (grega), os deuses anunciam o destino de um personagem que, para fugir a esse destino, segue em direção oposta ao revelado, experimentando situações cada vez mais aparentemente distantes do oráculo, até que, a partir da metade da história, uma reviravolta sensacional começa a trazer o personagem até exatamente o destino traçado. Com José é exatamente assim: sobre ele, Yahweh anuncia o destino; seus irmãos agem para interditar o futuro anunciado e o vendem ou algo assim, dependendo da "versão"; é preso, vai até o fundo do poço e, súbito, uma reviravolta faz com que se cumpra exatamente oráculo  seus irmãos se curvam diante dele, segundo em poder no Egito.

c) a história deve ter feito enorme sucesso nos recitais públicos; mais tarde (quanto mais tarde?), é incorporada na montagem final da Torá, servindo de ligamento entre Jacó e o Êxodo - com José se dá a explicação para a transferência dos "patriarcas" para o Egito.

2. Sei que não se está acostumado a lidar com os textos bíblicos assim. Pensa-se numa "revelação" em transe, mais ou menos como no Espiritismo  que tanto se condena. No caso cristão, pensa-se numa "possessão" do Espírito que, tomando o escritor, faz com que ele escreva, magicamente, a narrativa.

3. Fique à vontade para pensar assim.

4. Quanto a mim, penso em processos muito mais naturais, como aquele a que Judas se refere no v. 3 de sua carta de um capítulo só - queria escrever um tratado teológico, mas soube que havia pessoas pregando coisas que ele considerava perigosas e que deviam ser combatidas, de modo que ele adia o projeto de escrever uma nova Romanos e decide-se por dar pauladas nos neo-pregadores.

5. Talvez quem tenha escrito a história de José tenha aproveitado duas coisas: a moda helênica das tragédias e a lacuna entre Jacó e o restante da história nacional...

6. Não tinha a mínima ideia do sucesso de sua história...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Osvaldo. Você aponta nesse texto que a história de José, foi inserida no cânon judaico a partir do século III ou IV, certo? Em se tratando de Pentateuco, o rigor de sua observação pelos judeus desde os primórdios não faz com que a inserção de um texto tão longo e significativo tenha probabilidade reduzida, principalmente levando em conta, também, que os cristãos dos primeiros séculos eram judaizantes?

grande abraço,
Fabiano

Peroratio disse...

O Pentateuco é quase que inteiramente pós-exílico. Pouca coisa há (ainda que haja) que seja mais antiga do que o século VI. De qualquer forma, pouco mais antigo do que o século VI. Seja como for, enquanto Torá, montada e tonada livro sagrado, pós-exílica.

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