terça-feira, 19 de março de 2013

(2013/277) Limites esgarçados da fé - mas, ainda assim, fé e doutrina


1. Menciono três momentos-limite da fé, isto é, da doutrina, quero dizer, de racionalizações da fé na forma, ainda de doutrinas, mas que lidam com o objeto da doutrina de um modo não-apropriável, conquanto, aí, objetivo e sabido.

2. Primeiro, a Teologia Negativa, um tanto ambígua, vá lá - mas a que se satisfaz em declarar que Deus está no silêncio: se estou calado, quem sabe até sem pensamentos, Deus está - se penso, se falo, se aponto, ele desaparece... Dizem que Mestre Eckhart enamorava-se dessa racionalização.

3. Tillich, por sua vez, cunhou a fórmula "Deus é símbolo para Deus" que, a meu ver, tira com uma e dá com outra mão. Tira: quando se fala em Deus - doutrina -, tudo que aí aparece é simbólico. Dá: é simbólico em sua dimensão positiva e expressiva, mas refere-se a uma realidade objetiva - "Deus". 

4. Finalmente, um ditado budista: se encontrares Buda, mata-o. Mas, por quê? Porque Buda é inencontrável, inalcançável, de modo que, se alguém encontra, não encontrou, é outra coisa, um ídolo...

5. A Teologia Negativa faz que não sabe, mas sabe: ela sabe que Deus é inapropriável pela palavra humana. Já gostei disso, já achei isso inteligente: mas é uma racionalização cheia de buracos: se Deus não pode ser apreendido pela palavra humana, como a palavra humana pode me dizer que ele está lá, mas só se eu não falar dele? Como a palavra humana soube disso, se a palavra humana não é veículo para uma revelação dessa envergadura?

6. Quanto a Tillich, a sua fórmula é enganosa, porque esconde o sujeito de fé, o único que podê por o "Deus" onde o símbolo diz que ele está - fora da fé, a fórmula se transforma em poesia, como alguma que dissesse que os unicórnios são simbólicos para os unicórnios - quem cresse em unicórdios não se sentiriam ofendido, pelo contrário...

7. O problema do "saber" alguma coisa sobre o "divino" encontra dificuldades, se você contorna a doutrina positiva: por exemplo, como eu posso saber que Buda não pode ser encontrado? Quem me disse? Buda? Mas quando, se eu nunca o posso encontrar? Não funciona, se penso.

8. A saída é Barth, mas, então, tenho que acreditar em Barth, porque ele também me engana, tanto quanto os demais. Os demais, fingindo não saber um sabe que, todavia, sabem. Já Barth, fingindo saber alguma coisa que, todavia, ele não sabe, mas inventa e/ou recebe da tradição.

9. Em todos esses casos, a fé é fé no teólogo.

10. Mas não há, de fato, outra fé que não essa: crer em teólogos, porque é sempre alguém que nos fala que os deuses são assim ou assado.

11. E, se podemos falar de assados, tudo se reduz, então, a uma questão de papilas... Comer vento, mas sentir sabor de gizado...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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