1. 2001 foi um ano estranho. Até então, eu lecionava, desde 1993, em Nova Iguaçu, no campus do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. Nunca estudara muito menos lecionara na "sede". Fora lá apenas uma vez, receber um prêmio pelo que reclamei muito para a ele ter direito, que era o de melhor aluno do ano. Todo ano eu via alunos da sede ganharem, mas minha média era até maior, e eu não ganhava. Reclamei e, em 90 ou 91, não lembro, criaram um prêmio para o campus... Alunos da sede diziam que o pessoal do campus não contava, porque não estudavam direito... Então, não unificaram o prêmio, porque o melhor aluno do campus não se comparava ao melhor aluno da sede. Mas os campi, agora, tinham um prêmio. Aí fui lá. Não me avisaram com antecedência. Às três da tarde, eu, trabalhando, me ligam: tem de vir hoje. Um amigo me deu carona de moto, sem capacete, e eu fui. Lá cheguei com a cara cheia de fuligem, os cabelos arrepiados, sem traje adequado... Uma figura esquálida e mal-vestida. Assim estou na foto de O Jornal Batista, que guardo, amarelado. Mas ganhei o prêmio.
2. Fora isso - nunca havia ido lá.
3. E segui minha vida. Me formei e fui contratado para lecionar no campus.
2. Fora isso - nunca havia ido lá.
3. E segui minha vida. Me formei e fui contratado para lecionar no campus.
4. Em 2001, o então reitor, Roberto Alves, me liga. O professor Luiz Roberto me indicara, como também fora ele a me pôr a dar aulas no campus em 93. Ele brinca de ter sido o "culpado" - por duas vezes.
5. Era o seguinte, ele me dizia: precisamos de um professor de Sistemática, neutro, de fora, para dar aulas na sede. Meu coração acelerou... Não, disse eu, sou professor de Antigo Testamento. E Roberto me disse que, se eu aceitasse dar aula de Sistemática, eu seria contratado também para Antigo Testamento. Com o coração na boca e na mão, fui.
6. Sofrimento dos sofrimentos. Comecei a lecionar no segundo semestre. O clima era de profunda animosidade. Dois professores estavam em disputa na sede, não vem ao caso quem nem por que. Mas eu caí no meio da disputa - e sofri um bocado.
7. Os alunos que adoravam um, me odiavam, e os alunos que adoravam o outro, queriam o meu fígado. Olhar nos olhos deles era uma experiência de sofrimento para mim: via raiva, despeito, menosprezo. Em função do conflito político-ideológico-teológico em que eu caíra, optei por um abordagem histórica - aliás, a única forma com que lido com Sistemática - até hoje.
8. 11 de setembro de 2001. Em casa, eu assisti, ao vivo, os aviões acertarem as Torres. Fui dar aulas. O peso da situação nas classes, da animosidade, estava insuportável. Numa aula, sala do fim do corredor, Alberto Maida estava na sala, eu lembro, eu não suportei e chorei, chorei muito, de agonia e angústia. E disse para os alunos que não estava em condições de dar aulas, por causa das Torres...
9. Menti.
10. Também sofri sarcasmos e ironias. Freud tem muito a dizer sobre isso. Eram sensações desagradabilíssimas, porque eu dificilmente reajo, eu sofro calado. Apenas uma vez, até hoje, eu reagi (anos depois) - e fiz engolir o que estava a dizer o meu ofensor, até que ele se calasse - e se calou. Mas, em todas as demais ocasiões, em não reajo. E não reagi.
11. O semestre passou, os professores em disputa político-ideológico-teológica acabaram voltando às classes, eu saí da Sistemática, e dediquei-me a Antigo Testamento e Hermenêutica. Mais tarde, Hebraico e Fenomenologia da Religião.
12. Não foi um bom começo.
13. Mas foi a entrada para o período de maior amadurecimento de minha vida.
14. Os 10 anos na Colina - ao todo, 18 anos no Seminário - amadureceram-me. Uma longa e lenta formação, da qual eu sou o "resultado". Não posso dizer que aquela Casa me formou. Posso dizer que eu me formei naquela Casa.
15. Com todas as dores, eu faria tudo de novo. Exceto aquele semestre de 2001, um exemplo bem próximo do que o espírito de partido, a política, a religião, a juventude e a "intelectualidade orgânica" podem fazer com pequenas massas.
16. Mas eu era grande. Suportei a prova. Acho que venci.
17. Depois vieram Israel Belo, o Mestrado livre, a contratação de Haroldo Reimer, Ivoni Reimer, Longuino, Edson, Badu. Ingressei no Mestrado. Assumi - nova rodada de animosidades - a Coordenação do Curso de Teologia. Haroldo, monstro, ressuscitou-me para a pesquisa. Fui para a PUC, com os próprios pés. Doutorei-me. Fui dispensado da Colina. Vim para Vitória e estou aqui.
18. Uma jornada da qual me orgulho.
19. Há mais lembranças boas do que ruins. Mas as ruins também de fizeram crescer. E, certamente, conhecer mais de perto a alma dos religiosos vocacionados.
20. Acho que isso também pesou no fato de eu não ter feito o mínimo esforço para o pastorado.
21. E o pastorado, igualmente...
22. Seja como for, Luiz Roberto, meus agradecimentos por você ter me dado a oportunidade de trabalho. Foi um investimento sábio, meu amigo - estou na estrada até hoje.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
3 comentários:
Faço minhas as suas palavras, pois só fui professor na mesma casa por esforço seu, Osvaldo. Hoje, em Campinas, curiosamente começo também pela Sistemática, embora quisesse era mexer com as Ciências Sociais e Filosofia. Mas, como eles têm uma doutora pela Unicamp, melhor eu, apenas doutorando, ficar quieto e dar Sistemática mesmo. Cheio de crise, claro, pois, formado na crítica do Sul, é difícil lecionar Sistemática "sem falar nada". rsrsrs. Um grande abraço.
Osvaldo,
como é isso de lidar com a Teologia Sistemática por uma abordagem histórica?
Sempre achei que Sistemática impunha o viés doutrinário, tanto que me surpreendi quando li aqui que você lecionou Sistemática, até chegar na referência à abordagem que você adotou.
Um abraço!
História dos Dogmas, Luciano. À moda de Harnack.
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