1. Sem um conceito de religião ninguém pode identificar alguma coisa como religião. Logo, qualquer hiper-"materialismo" que descarte a necessidade do substrato teórico não tem condições sequer de nos dizer porque chama de religião aquilo que chama de religião.
2. Todavia, sem a materialidade do fenômeno, o conceito é mera quimera, mero delírio, mera ilusão - ou dissonância. O que se chama de Papai Noel não é Papai Noel, mas o que ele faz, no mito, alguém tem de fazer e, se esse alguém que tem de fazer, na vida real, o que Papai Noel diz fazer no mito, não faz, então, nesse Natal, não tem Papai Noel.
3. Resulta daí que, para lidarmos com a religião, é preciso: a) a materialidade das religiões e b) um conceito universal abstraído dessa materialidade.
4. O que é, pois, comum a todas as religiões? Sobre cultura de massa, Morin escreveu: "a procura de um grande público implica a procura de um denominador comum" (Cultura de Massa no Século XX, p. 25). Pois bem, a procura da universalidade da religião - daquilo que faz da religião religião e não outra coisa - implica um denominador comum.
5. Qual?
6. Os deuses e as deusas?
7. Não. Há religião sem Deus, como certa variedade de Budismo, por exemplo.
8. Logo, é possível religião sem Deus, de modo que, apesar de quase e esmagadoramente universal, a presença dos deuses pode ser suprimida, sem que a religião morra.
9. O que não pode ser suprimido sem que a religião morra?
10. Talvez, é uma hipótese ainda - a concepção do "além", seja em sentido de tempo - vida além da morte - seja em sentido de espaço - o "lado de lá", o acima dos céus.
11. Há religião que não conceba vida além?, ou, ao menos, conceba-se a partir da concepção que tem da vida além como núcleo do sentido da vida? Mesmo no Budismo sem Deus, a vida do outro lado - Brahman, Nirvana, a interrupção da cadeia ininterrupta de re-encarnações - permanece.
12. Por meio dessa hipótese, temos, portanto, um denominador comum - religião é o fenômeno humano que atualiza, na cultura, determinada concepção de além como determinante para o sentido da vida.
13. Isso posto, podemos adiantar mais um passo - sempre por hipótese.
14. "Sagrado" é uma coisa - "divino", outra. Não é a mesma coisa. O "sagrado" é parte integrante da estrutura da consciência humana (aqui, sirvo-me alegremente de Mircea Eliade). Já o divino é uma projeção humana, em termos de conteúdo e de identidade, a partir de certa experiência do sagrado que se traduz em religião: criam-se conteúdos para o além, e o seu primeiro e maior são os deuses.
15. Nesse caso, resulta necessário concluir que a concepção de deuses é um fenômeno antropológico e derivado - antropológico, porque humano e derivado porque depende da experiência bio-psico-antropológica do sagrado.
16. Mas nem toda experiência do sagrado atualiza-se culturalmente na forma de religião. As experiências do sagrado são variadas. A arte é uma experiência do sagrado. O esporte. A política, não se duvide. Até a ciência. Quando experimentadas como vivências de sentido, são materializações da experiência de consciência que se pode chamar de experiência do sagrado.
17. Quando essa vivência transborda para a apreensão da hipótese do além, e quando essa hipótese converte-se em especulação e antecipação mitológica desse além, quando esse além é assumido como dado e certo como o Grande Atrator da vida, quando, na maior parte dos casos, esse além é povoado por toda sorte de seres de espírito, quando a vida do lado de cá submete-se cegamente a essa "criação" da mente humana, pondo em si, a vida, um valor derivado de lá, o além-vida - nasce/experimenta-se a religião.
18. Quando entendermos isso, a religião fará 18 anos - ou 21.
19. Mas ela - quero dizer, os religiosos (e atenção: mesmo seus maiores representantes, seus mais ilustres teólogos) - ainda engatinha e tem de si a ideia que têm as crianças.
20. Ela ainda espera presentes na janela...
21. Mas vai crescer, ao ritmo do tempo da espécie...
21. Mas vai crescer, ao ritmo do tempo da espécie...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Acho que 21 anos para ela estaria melhor arranjado.
Aos 18 você quer muito ser maior, e tendo se tornado, age como se ainda tivesse 13 ou 14. Aos 21, não. Você já não está mais tão ansioso em ser, se tornou e não quer voltar mais à teenage. Tudo, é claro, em linhas gerais.
Mas o meu assunto aqui é outro.
Sua identificação do denominador comum das religiões como sendo a vida além como núcleo do sentido da vida aqui vai ao encontro, me parece, da visão de José Saramago em "As Intermitências da Morte".
Naquele livro, se não se morre mais, para quê as religiões?
Mas também nele, para quê a filosofia? E isso eu não compreendia... até agora (acho).
A filosofia que chega ao fim com a ausência da morte não seria aquela tomada como vivência de sentido ou como materialização da experiência do sagrado, submetendo-se a vida, esta vida aqui mesma, cegamente a essa também "criação" da(s) mente(s) humana(s).
E não é essa filosofia - conteúdos sem atitude crítica -, sacralizada, que se tenta empurrar goela abaixo dos alunos no Ensino Médio - como a teologia nos seminários confessionais -, e que adolescentes e jovens não entendem porque têm que aprendê-la, como não entendem porque têm que viver uma religião?
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