1. O baixo-clero, o chão-de-fábrica, a militância, a membresia - trata-se de um povo engraçado. É uma massa de fermentação, sem a qual a coisa não funciona, mas que, todavia, não sabe que ela apenas funciona como massa de fermentação - e mais nada.
2. Quero dizer com isso que aqueles que, dentro da militância, aspiram menos ingenuamente à ascensão na pirâmide do poder sabem que, a cada degrau que se sobe, a coisa é mais ou menos como o folclore em torno dos segredos e dos graus maçônicos - vai-se descobrindo as coisas escondidas.
3. A militância de modo geral, na política e na religião, funciona a partir da utopia, do mito, do sonho, da quimera, do desejo, da emoção, da entrega - é passional a coisa.
4. Mas o alto-clero sabe que a paixão só funciona de baixo para cima: de cima para baixo, não. Lá em cima, as coisas são diferentes.
5. Aí, a militância utópica vota no grão-militante, achando que o grão-militante, quando chegar lá em cima, fará o que ela, militância, acha que se deve fazer e diz que fará - mas isso só vale para a militância: quando o grão-militante chega lá em cima, repito, seja na política, seja na religião, ele fará - se fizer - o que for possível, depois de negociar com mil anjos e demônios, de dar a Deus o que é de Deus e ao diabo o que é do diabo...
6. Não há sintonia fina entre militância e os grãos militantes lá de cima - azuis ou vermelhos: cá embaixo estão as engrenagens, a roldana - mas a caçamba sobre, e as engrenagens ficam a girar, girar, girar...
7. Quando a coisa é mais programática, mais orgânica, menos passional e alienada, o corpo inteiro sabe que, a cada nível, o discurso é um e a prática é uma, que, à medida que se sobe, muda-se o discurso e a prática, à medida que os atores dos andares vão se alterando.
8. É por isso que é muito raro, raríssimo, que um militante não se fruste com seu grão-militante - porque o que o grão-militante fará, de fato, é uma fração muito pequena do que a militância queria que ele fizesse, e que ele mesmo disse que faria quando ainda era militante.
9. Olhar de fora é muito interessante. Perceber a militância nervosa, frustrada, saber que ela se frustra por mera falta de percepção do jogo em que ela está metida: ela acha que o jogo é um, mas é outro, acha que se papel é um, mas seu papel é outro. E a pergunta que me fica é: se a militância soubesse exatamente qual é o seu papel, ela seria militância?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário