sexta-feira, 16 de março de 2012

(2012/292) Fundamentalismo, fundacionalismo e verdade


1. Alguém usou o termo fundamentalismo, acrescentou-lhe uma vírgula e, em seguida, escreveu: "ou fundacionalismo". Que golpe! Fundamentalismo é a mesma coisa que fundacionalismo?

2. Bem, antes de eu responder, deixe-me dizer como quem usou a estratégia de fazer fundacionalismo transformar-se em fundamentalismo parece pensar: não há fundamento para nada. O mal é a fundação, o problema da humanidade é o conceito e a ilusão de fundação, é dizer que há fundamentos para isso e para aquilo. Retirem-se as fundações, pare-se de fazer referência a elas, deixem as pessoas decidirem as coisas de modo discursivo, intersubjetivamente, sem referências objetivas ou não a supostos referenciais fundantes e pronto, chegaremos à paz. Mesmo o plutônio das bombas é mero discurso!

3. Uma confusão epistemológica enorme. Mas serve, ao menos, para eu concluir que quem escreveu que fundamentalismo e fundacionalismo são a mesma coisa não tem a mínima ideia de como as coisas são fora de seu discurso, porque, para ele ou ela que assim escreve/pensa, ou elas, as coisas, não existem, só existe seu discurso, ou elas existem, mas ele ou ela não as pode alcançar.

4. Ora, sendo assim, tanto faz ele/ela dizer que fundacionalismo e fundamentalismo são sinônimos, quanto dizer que a Xuxa e a Vera Verão são a mesma coisa, porque ele não está falando nem da Xuxa, nem da Vera Verão, nem de coisas que seriam fundamentalismo e fundacionalismo - são só palavras vazias, com as quais, logo se vê, nem ele/ela nem ninguém podem sair de sua própria cabeça em direção a lugar nenhum.

5. É o mesmo caso daquela poesia que diz que o sujeito sobre até o alto da escada para descobrir a verdade e, quando chega lá, descobre que a verdade é, na verdade, meia-verdade. Parece muito bonito - estético - dizê-lo, mas é uma contradição grave: se a verdade é meia-verdade, dizer que a verdade é meia verdade é uma verdade ou é só meia-verdade?

6. Pois bem, deixo o mundo dos homens que acham que só existem as palavras que uns jogam aos outros, e dirijo-me para o mundo dos que acreditam que há algo fora das palavras - algo a que certo uso das palavras se dirige. Nesse mundo - a realidade - fundamentalismo não tem nada a ver com fundacionalismo.

7. Fundamentalismo é o apego cego e acrítico, heterônomo e interessado, político e fechado, pulsional e programático de lidar com conceitos, valores, ideias - é mesmo um fenômeno de reação política. Fundacionalismo constitui outra coisa: a crença em que o que se pode dizer sobre o mundo se baseia em fundamentos reais e não em meras ideias sem contrapartida física.

8. Confundir fundamentalismo com fundacionalismo é, das duas, uma: equívoco epistemológico ou má fé. Prefiro julgar que sempre seja o caso de equívoco.

9. Tampouco se poderia confundir um fundacionalismo científico com um suposto fundacionalismo teológico. Um suposto fundacionalismo teológico seria normativo: Deus ou o Dogma são o fundamento universal, absoluto e único de todas as coisas. Esse arrazoado nada tem a dizer ao fundacionalismo científico, o realismo crítico, por exemplo, que acredita que os fundamentos são locais, não são necessariamente universais.

10. A leitura de O Método, de Morin, corrigiria a percepção de quem escreveu aquele "discurso". Mas Morin estraga a brincadeira. Ele belisca você, você tem que acordar e pôr o pé no chão.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio