1. Um breve pensamento. A República estabelece uma relação laica entre seus personagens jurídicos entre si, bem como entre ela mesma e os cidadãos. Não é um jogo "ateu". Mesmo em tese, é um jogo "laico" - as relações de religião estão fora dos espaços institucionais públicos, das relações formais e oficiais da República.
2. As Repúblicas funcionam assim. As Repúblicas laicas.
3. Esse "jogo" foi, de fato, aceito? Trata-se de um "valor" assumido pela sociedade, ou, antes, uma imposição político-jurídica não-discutível? Uma obrigação a que os cidadãos se vêem - em certas circunstância - ligados?
4. Aposto que o jogo esteja instalado contra a vontade comum da sociedade. Penso que ele funcione por meio da "força" simbólica e concreta do Estado. Mas o valor republicano não perpassa a malha da sociedade. Ela sequer sabe do que se trata - nasceu, repete gestos que lhe ensinaram, mas não tem a mínima noção do que se trata.
5. Por que penso assim? Porque se fôssemos republicanos por vocação, se fosse nossa "alma" verdadeiramente republicana, levaríamos esse valor - a "laicidade" - para todas as relações sociais. Não é que seríamos "laicos" por força de lei - seríamos laicos por força de convicção existencial.
6. A primeira coisa de que nos constrangeríamos seria falar com pessoas a partir da ótica de Deus, interpor Deus às pessoas em nossas relações sociais. Isso seria experimentado por nós como um desrespeito, no mínimo, uma deseducação, uma deselegância.
7. Mas não: é bem o contrário. Deus é mais real para mim do que as pessoas, e eu sou capaz de passar por cima delas em nome dele. De manhã à noite, desde o porteiro até o ascensorista, todos serão tratados por mim por intermédio da mediação religiosa, na fala, no trato, no olhar, no juízo, nas interdições. Deus é mesmo esse vidro através do qual lido com o mundo, com as pessoas.
8. O resultado é uma sociedade esquizofrênica.
9. Sim, o Brasil é uma sociedade esquizofrênica. Não sabe o que é. Não sabe sequer representar uma existência laica, quanto mais sê-lo efetivamente.
10. O Brasil é, hoje, um copo de água, dentro do qual jogaram um comprimido efervescente de religião. A água está a efervescer. A esquizofrenia, a galopar. Acho que caminhamos para um surto. E temo que não haja ninguém para tratar do doente quando o surto se instalar - porque até aqueles que mais se julgam saudáveis são, por excelência, a vítima máxima da esquizofrenia.
11. Sim, falo dos líderes religiosos. Era para serem os mais entendidos de religião e de República. Temo que entendam cada vez menos de uma e de outra coisa, porque vão gostando de entender apenas de "Deus".
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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