sábado, 18 de fevereiro de 2012

(2012/189) Pedro dividido - quanta novidade!


1. É verdade, as duas das maiores representantes do neofenômeno gospel brasileiro, IURD e IMPD, estão em "guerra" - até o diabo está a dar uma mãozinha: quando Deus sozinho não dá conta, é porque a briga é grande, longa e feia...

2. No momento, os crentes devem estar divididos. Os católicos, menos. Mas os crentes, devem estar a pensar se se alegram ou se se entristecem, e devem experimentar as duas coisas, uma de cada vez, dependendo da hora do dia. De manhã, bem feito!, de noitinha, ah!, que pena...

3. O fenômeno, todavia, não é novo. "Pedro dividido" - não há outra fórmula de duas palavras para ilustrar melhor do que "Pedro dividido" o principal marco do Cristianismo.

4. O Cristianismo começou dividido. Um meteoro chamado leitura messiânico-alegórica do evento Jesus de Nazaré, tomado, então, como messias, dividiu o já partidarizado Judaísmo.

5. Espalhou-se cristão - de todos os tipos - pela Roma inteira. Por 300 anos, na prática, cada comunidade era um Cristianismo diferente, mais ou menos parecido com o vizinho. E se tinha de tudo - extáticos proto-carismáticos, filosóficos proto-dogmáticos, bíblicos proto-fundamentalistas, taumaturgos, exorcistas, andarilhos, monges. Jesus aqui era Deus, ali, não. Cá, eram tantos livros, lá, tantos mais dez, acolá, tantos, mais dez, menos cinco.

6. Uma única coisa os tornava rigorosamente iguais: todos se julgavam, sempre, desde então, certos. 

7. Aí, veio Roma, o Império - que Roma, a igreja já lá estava, parece que desde a eternidade... O Império, todavia, era uma força maior do que qualquer dos Cristianismos, e, sob certo sentido, maior do que todos eles juntos.

8. Foi o Império, nada mais, que deu uma cara ao caldo irreconciliável da fé cristã. Digo-o e repito: irreconciliável. Porque não houve conciliação - houve é concílio. E divisão. Mas, depois da divisão, surge, aí sim, mercê da força do Império, alguma coisa que se pode chamar de uma igreja.

9. Guarda-chuva, ela vai guardar tudo dentro dela. Exatamente como o Império, que, de um lado, tem Portugal e, do outro, as planícies geladas da Rússia.  Ni Império, a união é mantida pelo uso da força. Como o será na Igreja, una, nascida à força de decreto. Força. Sem ela, os cacos rolam - de novo. Sem ela, os vitrais se espatifam - outra vez.

10. E isso explica Lutero. Para todos os fins, um desastre para aquele Cristianismo "de uma cara só". Para a história humana, uma bênção - a longo prazo. Para o Ocidente, transformações alvissareiras. Para o Cristianismo, uma tragédia - ainda que Nietzsche considere que Lutero renovou a vida de um moribundo que agonizava. Tenho minhas dúvidas.

11. Lutero restaurou a fé - ninguém o negue! Mas foi assim: João para um lado, Maria, para outro, Pedro, lá, Tiago, acolá. Sem uma força, com todos se considerando, eles mesmos, pastores de Deus, bispos de Deus, papas de Deus, quem segura? Deus segurou? Nem o diabo. Foi igreja disso e daquilo para todos os lados.

12. Racha. Racha Roma. Racha a Inglaterra - e separam-se os "Waldemiros" da época do "Macedo" de então. Separam-se e metem-se os dedos nos olhos uns dos outros, que nem Pedro e Paulo - tá no sangue. Quando não foi assim? Vai com o diabo, apóstata! Fica com o capeta, herege! Não foi assim? Sempre? Desde sempre? Apóstata!, diz esse. Anátema!, responde aquele. E cada um se benze, piamente.

13. O Cristianismo tem a doença de Deus - onde ele toca, a pessoa passa a sentir-se, ela mesma, a própria boca de Deus. Pior, a própria mente de Deus. Aí, qualquer asneira que se pense, é Deus a pensá-la, e qualquer outra asneira, o diabo. Não é mais jogo de gente - é jogo que só joga ou Deus ou o diabo. Daí o Macedo dizer que lá no outro redil é o diabo a obrar...

14. Não se pode tolerar, nesse jogo, que alguém pense um milímetro fora do lugar, naquilo que for considerado fundamental para a fé. E as pessoas pensam. Não se faz crítica do jogo, faz-se é crítica do outro jogador, e se inventa uma pantomima nova, um mito novo, uma mentira nova - e, então, alguma surpresa?, se racha.

15. De manhã, racha. De tarde, racha. De noite, racha. Até de madrugada. Todos os "protestantes" e "evangélicos" ditos tradicionais, todos, não só nasceram de um racha, mas vivem rachando. Não apenas as denominações, mas as próprias igrejas locais. É da cabeça ao pé, do diretor ao estagiário - racha.

16. Os pentecostais, da mesma forma, nasceram num racha. Dentro deles, mais racha. Não se conhece outro fenômeno à altura: talvez, exceção possível, a "evangelização", essa bocarra escancarada e cheia de dentes, que se resume a tirar gente do mundo e pôr no balaio da fé - para rachar, dois dias depois.

17. Os neopentecostais, se se pode chamá-los por esse nome, digamos, então, as igrejas-siglas, nasceram, todas, em rachas. E, à semelhança de todas as outras, continuam rachando.

18. É verdade que os rachas da onda neo são televisados - mas é de sua substância a TV. As igrejas-siglas são fenômenos da mídia, de mídia: tudo será televisado. Como foram canonizados os rachas originais... E com orgulho!

19. E que o diabo esteja lá, que novidade? Quando as igrejas, todas, racharam e rachavam, quando racham, hoje, porque vivem de se racharem, quem vocês acham que estava, para o lado de cá, agindo no lado de lá? José, que fica, diz que o diabo levou quem foi. E João, que foi, alega que o diabo ficou pra trás.

20. Quanta diferença!

21. E, cá entre nós, meus amigos, quando começarmos a com toda seriedade a nos questionar sobre essas entrevistas ao diabo, televisadas, que tal fazermos os mesmos com aquelas, tornadas Evangelho? Porque até aí não parece haver diferença alguma: é Pedro dividido, é racha e é diabo desde o primeiro dia.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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