1. Quinta-feira, tive longas conversas com mestrandos em Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória, onde leciono. Naquela semana, havia lecionado Metodologia da Pesquisa Científica, e passáramos três dias discutindo dissertação de mestrado.
2. Um mestrando procurou-me para discutir seu trabalho proposto. É da área do direito, assessora juízes a quem cabe a tarefa de decidir questões fundamentais relacionadas a condenados e apenados, dentre elas, visitas de religiosos. Lidando com programas religiosos de re-socialização de apenados, ambos, o juiz e o mestrando, consideram que os presos se encontram em situação de vulnerabilidade, o que dificulta a avaliação da eficiência ou não do trabalho religioso.
3. Assim sendo, desejaria trabalhar não a re-socialização, mas a prevenção de crimes pelo trabalho da religião.
4. Aí, demos de frente com problemas de método. A principal questão tem a ver com: de que modo se evidenciará o resultado da prevenção? Como se poderá mensurar, quantificar, qualificar a eficiência ou não do trabalho religioso na prevenção de crimes?
5. Questão difícil. O mestrando pensou em questionários: "a senhora não abortaria por uma questão legal ou por uma questão religiosa?". Se a resposta fosse "questão religiosa", então estava-se diante da constatação de sucesso da prevenção religiosa contra "crimes".
6. Vejo dois problemas aí. Um deles, se levo a sério o questionário, ele diz algo somente até aquela data. A pessoa pode acabar de responder e abortar, de modo que seu alcance, se considerado o método, é muito relativo. Outro problema: até no direito, o testemunho é a "prostituta" das provas. Ora, um profissional de direito que "sabe" o peso que tem um testemunho (menores mentem culpa para livrarem maiores!), como poderia fundamentar uma pesquisa de mestrado em... testemunhos? No primeiro caso, ela pode abortar amanhã; no segundo, pode ter abortado ontem!
7. Avançamos para uma outra metodologia. Levantam-se os presos que, à época do crime cometido, eram religiosos. Identificam-se as religiões. Classificam-se os presos em grupos: cristãos, espíritas, umbandistas etc. Toma-se a população carcerária local como total da população e calculam-se as percentagens de cada religião em relação ao total. Vai-se ao IBGE e toma-se a tabela de proporção de religiões na população nacional. Mensura-se a discrepância entre os percentuais da população carcerária estudada e a proporção nacional. Explico.
8. Se, digamos, 10% da população é espírita, e se 10% dos apenados são espíritas, a proporção se manteve. Se todas as proporções se mantiverem, parecerá claro que a religião não tem nenhum influência geral. Todavia, digamos que uma religião tenha proporções muito menores ou muito maiores - isso apontará para o fato de que aquela religião ou alcança grandes números na prevenção, ou , pelo contrário, seus adeptos tendem a praticar mais crimes.
9. Trata-se de um modo indireto de construir-se materialidade. Para a questão da mensurabilidade da prevenção, não consegui chegar a outro modo de lá chegar. Haverá?
10. Todavia, uma coisa saltou aos olhos. O resultado do trabalho pode apontar para o inverso: há apenados em todas as religiões. A conclusão mais disponível é que, para esses casos, a religião não logrou sucesso em evitar crimes. Sendo assim, as religiões poderiam aprender uma lição interessante: seu trabalho não garante coisa alguma. É ainda possível que um fiel da religião mate, estupre, roube. Não há mágica, aí.
11. Além disso, como eu posso saber se os religiosos que não cometam crimes o cometeriam se não fossem religiosos? Método - nada é mais importante em pesquisa do que a determinação do caminho que permite chegar à resposta ao problema levantado, e um bom problema levantado é um problema a cuja resposta se pode chegar.
12. Para cada trabalho de pesquisa há um modo de materializar a hipótese. Sem isso, não se faz pesquisa - defende-se uma intuição e terminação de forma circular, sem a sua efetiva comprovação. Nesse caso, é melhor mudar de problema. O que não é o caso que analisamos: lá estão os apenados; entre eles, muitos religiosos. Há lições de humildade a serem aprendidas pelos administradores da fé...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
4 comentários:
É isso meu caro professor, como sabes, sou o citado acadêmico,,rs,, mas, como conversamos, e foi bem encerrado em sua fala, esse trabalho tem muito a nos ensinar, especialmente para mim que milito nos dois campos, o direito penal e no ministério pastoral, mas, o desafio nos instiga.
Grande abrc.
Marciano Rogério
Nelson, quanto ao método, a questão é como demonstrar esse alegado poder da religião em frear os impulsos? Já os religiosos que não seguraram as pontas tornam evidente que a religião não foi capaz de refrear-lhe os mesmos. É um problema de método. Dizer que a religião é capaz de não significa que de fato o seja. Veja o caso da pedofilia no clero católico por exemplo.
O que também pode chamar a atenção, em outro aspecto, é que a religião tem o "poder" de frear determinadas ações. Óbvio, a maioria dos que caminham pela via religiosa, possuem desejos contidos por uma ética eclesiástica que no indivíduo é como uma bomba relógio sem um cronômetro - ou seja, poderá explodir a qualquer momento. É uma gota d'água que acabará com tudo...
Assim, percebo que a religião que promete a uma tal liberdade no Cristo dogmático, acaba por velar uma falsa aparência de retidão moral no seu discípulo (ou hóspede, cliente, seja lá o que for) e caso o copo transborde, não tem deus que segure sua atividade "paranormal".
Quando digo sobre o freio da religião, a ideia é refletir no reducionismo que o dogma causa na caminhada do ser e não na própria volição humana. Creio que os desejos mais agudos estão alojados lá, até que não suporte e o copo transborde.
Finalizando... a religião não tem condições de salvar o homem de seus desejos. Eles apontarão a cara mais cedo ou mais tarde, uns mais pavorosos, outros menos.
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