1. Estava, agora, folheando A Guerra dos Deuses, de Michael Löwy. O que tenho a dizer, daqui em diante, neste "artigo", não diz respeito diretamente ao conteúdo do livro. Tem a ver com uma prática comum, que encontrei, não era para ser diferente, em Löwy.
2. Discutindo a influência da igreja católica francesa no surgimento da "Teologia da Libertação" brasileira, na p. 232 (Vozes, 2000), Löwy cria uma nota de rodapé para citar um autor Lucien Goldmann. O que Löwy quer é fundamentar a sua afirmação de que a influência histórica de algo sobre algo não "explica" nada, porque tudo dependeria do modo como a influência se deu. Para dar fundamentação à sua ideia, cita Goldmann.
3. Bem, e de que "vale" a citação? Que aumento de "valor" - em termos de fundamentação - a citação produz? O fato de Goldmann ter dito o que Löwy, agora, repete, faz do que Löwy diz algo melhor dito - porque Goldmann o dissera? Se Goldmann não o tivesse dito, o fato de Löwy o estar dizendo deixaria de ter mais valor do que tem, ou nem mesmo valor teria? Se Löwy precisa de que Goldmann tenha dito - para citá-lo! -, por que Goldmann não precisou? Se a fundamentação de Löwy vem de Goldmann, de onde vem a de Goldmann?
4. Há um problema nas Ciência Humanas - rodar atrás do próprio rabo. Na Física, você faz o experimento, e não interessa o que qualquer um disser: vale o experimento. Você não "depende" de nada além da materialidade das coisas. Nas Humanas, cadê o chão? O chão não é - sob nenhuma hipótese - a teia de citações, porque citações são apenas declarações: ou têm base ou não têm.
5. E eis o ponto: qual o valor de uma afirmação, mesmo em Humanas, a não ser que corresponda à realidade? Citar Goldmann serve para prestar contas, eu sei, à academia: mas prestou-se conta do quê? Se Goldmann estiver correto - porque é assim que as coisas aconteceriam, isto é, as influências por si mesmas não explicam nada -, Löwy também estará, e não estará por estar citando Goldmann, mas porque a realidade é assim.
6. É capaz de você encontrar uma série de artigos que vivem assim, citando, de citações, João que cita Maria que cita Fernando que cita Pedro que cita... No fundo, cai-se numa rede imaterial, num regime de mero discurso, sem recurso à realidade: é o risco.
7. Corrijamos nossos olhos: desaprendamos esse vício "humanístico" - citações podem esconder o caráter hermético da academia, isto é, "gnóstico", de João ensinar Maria que ensina Pedro, mas sem nunca tocar um grama do chão da terra da gente...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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