sexta-feira, 19 de agosto de 2011

(2011/480) Dois mil anos depois - de como a estratégia cristã mudou nesses dois mil anos


1. Dou aulas em "seminários" há quase vinte anos. Ultimamente, dou aulas em "faculdade", mas, em se tratando de Teologia, o público fornecedor não é lá muito diferente. São, basicamente, "crentes".

2. É de todo triste, tristíssimo, lamentável, lamentabilíssimo, o estado em que chegam os alunos - fui um deles, um dia... O que, nos ambientes religiosos da catequese cristã, se chama de "educação teológica" - isto é, na linha média abaixo dos manuais de Teologia "pesados" -, resume-se a uma desinformação político-religiosa e a uma inculcação doutrinária rasteira e sofrível que, digamos assim, mereceria processo judicial por lesa-inteligência.

3. O nível de desinformação e de inculcação doutrinal e dogmática é tão grande que, quando você informa ao aluno as questões básicas, mínimas, coisa de bê-a-bá, coisa que o Google esfrega na cara da gente há dez anos, eles chiam, arregalam os olhos, espumam, alguns, assustam-se, benzem-se, amaldiçoam-lhe - e não se trata da minoria, salvo as exceções.

4. Quando você informa aos alunos dos "padrões" e dos "tipos" traditivos, dos quais a tradição cristã está cheia, quase morrem - ou matam. Você fala do nascimento virginal como mito de várias religiões da mesma época da de Cristo, quase morrem - ou matam. Quando você fala de que não um nem dois, mas vários heróis, deuses e imperadores subiam ao céu, quase morrem, ou matam. Quando você fala de deuses encarnados, muitos, além de Cristo, quase morrem - ou matam. Quando você lhes fala de que verbo por verbo, Cristo não foi o único assim descrito, quase morrem - ou matam. Quando fala de milagreiros, de modo que também a Cristo não se aplica a exclusividade - quase morrem - ou matam...

5. Trata-se de uma fé doente, pobre, desinformada, forjada na ignorância e, muitas vezes, na sonegação e na mentira, fruto de educadores (deseducadores) ainda mais perdidos e ignorantes do que os fiéis deseducandos, alguns, por simples desgraça da vida, outros, pelo contar das moedas e de salários de R$ 30.000,00 (para esses, o inferno é banho-maria). Um vício, um pecado, um escárnio. E, no entanto, a isso se chama "salvação" e "verdade"...

6. Como as coisas mudaram. Há dois mil anos, o movimento era mesmo o inverso. Naquela época, os cristãos desejavam ardentemente "cidadania". Quando não estavam interessados em suspender de sobre suas cabeças as espadas romanas, desejavam o status de todos os cidadãos "normais". Nesse sentido, apelavam para a tradição, e revelavam o quanto tinha de igual com a própria tradição grega e romana a tradição e fé cristã...

7. Justino, dito Mártir ou romano, foi um campeão da "apologia" - e não se trata do mesmo tipo de apologia de hoje, como logo se verá. Nas Apologias (I e II), argumentava o direito que tinham os cristãos de serem tratados como cidadãos e bons cidadãos baseado no fato de que não havia grande diferença entre as tradições cristã e romana - salvo que o Deus cristão era verdadeiro e os dos romanos, não...

8. Mas eis alguns dos argumentos do teólogo. Jesus ter nascido de virgem parece uma coisa estranha? Perseu nasceu também. Jesus ser o Verbo de Deus é inusitado? Não - Hermes o é de Zeus. Jesus ter subido aos céus parece coisa de loucos? Não - Asclépio, Dioniso, Héracles, os Dióscoros, os imperadores romanos, todos, também subiram. Jesus fazer milagres parece fantasia - não, porque Asclépio os fizera em comparável número!

9. Diríamos, todavia, que as aproximações não terminariam em Roma e Grécia - entre os cristãos e os persas, quantos paralelos! Os magos, a luz a anunciar o Pantocrator, não está no Avesta? Um rei a matar centenas de recém-nascidos, a eliminar a chance de que sobreviva o anunciado que se tornaria rei em seu lugar, não está isso na tradição hindu aplicada a Krishna? É verdade que entre esses povos e religiões não se vai encontrar um crucificado que salve - todavia, não é esse crucificado um "cordeiro", o que faz de Jesus um paralelo aos sacrifícios da religião... judaica? Disso, Paulo - e João - estão suficientemente informados...

10. Há dois mil anos, essas questões eram do conhecimento público - e, sejamos honestos, a maior parte delas serviu de base para a elaboração da própria tradição cristã. Não sabemos que a Índia - mas não só ela, mas, igualmente, o conjunto das religiões do Antigo Oriente Próximo - conhece uma Trindade? Na Índia, a Trimurti, Brahma, criador, Vishnu, preservador e Shiva, destruidor, corresponde à Trindade cristã, aquela mesma, da criação, da preservação e da destruição escatológica do mundo... O cristianismo, todavia, viu-se em palpos de aranha para adaptar essa tradição "pagã" ao seu monoteísmo "peculiar"...

11. Todo crente, da época, o sabia. Todo crente, de hoje, devia saber. Mas não sabe. E, quando é informado, quase morre - ou mata. Tristeza! Maldade de seus líderes, de seus pastores, de seus padres. Pecado! Perversos, que, além de sonegar informações, advertem aos "puros de coração" - se lhes contam mentiram, virem a cara! E mais - não entrem lá!

12. O que não é dado ao cristãos, pelos cristãos, com naturalidade e amor, é-lhes fornecido em contextos críticos, e, quando decidem dar crédito às informações históricas, sentem-se traídos, aviltados, mentidos, passados para trás - o que é bem o caso. É que para fazer do Cristianismo algo "ímpar", só mentindo (e como se mente!) - porque não há muita coisa, muito pelo contrário, aí, que não tenha sido incorporado lá de fora, sim, de lá, onde imperam, segundo os próprios cristãos, as hostes do diabo... E, se lá...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Rodrigo Freitas disse...

Caro Osvaldo, tomei conhecimento dos seus textos no Facebook, através do professor Lair. Seus textos são, para mim que fui e deixei de ser cristão, escandalizadores, fico imaginando para quem é cristão, mas quando digo cristão aqui, digo os convencionais, que não têm a menor idéia do que é o cristianismo e muito menos a ou as igrejas. Apesar de seus textos na maioria das vezes me escandalizar, eles também me esclarecem muito, acho que é por isso que os leio, pois encontro neles, tudo o que via e percebia quando era cristão, mas não conseguia explicar com palavras. Gostaria de saber se você tem livros publicados ou pelo menos o que você lê (que seja mais acessível intelectualmente) para eu poder começar nesse caminho que você está caminhado. Eu gostava de ser cristão, me confortava em certos aspectos, mas na época, tudo de errado que via, muitas das coisas que você escreve aqui, me fez perder a fé. Mas mesmo não sendo mais cristão, gostaria de saber o porquê deixei de ser e isso só com muito estudo e tempo. Admiro sua coragem em postar textos tão explícitos sobre um assunto que é tabu se fazer críticas. Parabéns. Forte abraço.

Peroratio disse...

Rodrigo, escrevi essa lista de livros. Talvez sirva a você:

http://peroratio.blogspot.com.br/2012/01/2010045-pedem-me-uma-lista-de-livros.html

Rodrigo Freitas disse...

Muito obrigado Osvaldo. Abraços.

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