segunda-feira, 20 de junho de 2011

(2011/375) Novas perspectivas sobre a dimensão do autor e das formas de aferir os seus direitos de autor histórico de um texto, livro ou obra

1. Veio-me a mão, por gentileza do meu colega e amigo Eduardo Quadros, um livrinho muito interessante de Roger Chartiert, A ordem dos livros - Leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIIII (Brasília: UnB, 2 ed. 1999. 110p.). Devorei-o hoje pela manhã enquanto me cabia a tarefa de vigiar um turma no vestibular na PUC.

2. Chartier é um historiador ligado à história cultural francesa. Tem outros escritos muito interessantes. No livro tem três capítulos e um adendo sobre texto na internet. Nada é tão novo, visto é o original francês é da década de 1980.

3. O primeiro capítulo trata de "comunidades de leitores". En passant ele alude às questões entre a hermenêutica romântica e a intentio lectoris, concedendo logo de início que "um texto só existe se houve um leitor para lhe dar um significado" (p. 11). Ele, contudo, busca situar o leitor dentro de práticas sociais de leitura realizadas em comunidades de leitores. Reconhece que a figura do leitor individual, que lê silenciosamente, é um acesso ou desenvolvimento muito recente. Em séculos anteriores, a leitura estava inserida em prática de leitura em voz alta ou sussurada. Neste sentido, a comunidade é aquela que ajuda a controlar o sentido, e alterações no conjunto das práticas do grupo ajudam a trazer deslocamentos na percepção de sentidos dos textos. Diz ele a certa altura: "Observar, assim, as redes de práticas de leituras próprias às diversas comunidades de leitores (espirituais, intelectuais, profissionais, etc.) é uma primeira tarefa para se chegar a uma história da leitura preocupada em fazer compreender, nas suas diferenças, a figura paradigmática desse leitor que é um furtivo caçador" (p. 14).

4. Pensei que o escopo do livro iria no sentido de louvar as infinitas possibilidades de sentido que o "furtivo caçador" em terras alheias pode obter. Contudo, aí o texto toma outro rumo e começa a mostrar como dispositivos inseridos no texto publicado podem interferir ou interferem na percepção do conteúdo. Exemplo para isso é a divisão do texto da Bíblia em capítulos e livros; diz ele que isso fomenta o dogmatismo, pois o leitor pode se agarrar a trechos pequenos tomados como aforismos.

5. O capítulo mais interessante é o dois. Tem como título "Figuras do autor". Aí ele quer superar o analitical bibliography e new criticism e reatar a busca pelo autor, "rearticular o texto ao seu autor, a obra às vontades ou às posições de seu produtor" (p. 35). Aí ele discorre sobre discussões e práticas no século XVII e XVIII acerca do que significa ser "autor". Havia um momento em que ser "autor" significava levar um texto a ser impresso por um livreiro. Só gradualmente a função-autor passou a ser individualizada. Essa individualização tem a ver com as possibilidades de aplicação de sanções penais a um escritor/autor. A censura ajudou a criar a figura do autor individualizado. O copyright e o imprimatur são mecanismos jurídicos que ajudaram a produzir a figura moderna deste autor, que perante o poder estatal e eclesiástico (francês) é responsável solidário com o impressor e até com o leitor pela ortodoxia do escrito.

6. A leitura dos textos deste livrinho de Chartier ajuda r a abrir novas perspectivas sobre essa dimensão do autor e das formas de aferir os seus direitos de autor histórico de um texto, livro ou obra.


HAROLDO REIMER

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