domingo, 19 de junho de 2011

(2011/367) Arte, enquanto na arte, na "Bíblia"? Esquece. No máximo, "arte" sob a Bíblia, como instrumento - mas não como fim


1. Ainda não passou - de todo - a onda de estetização das coisas, das idéias, das ações, do mundo. No Brasil, uma vez que aqui tudo chega atrasado (mas, cada vez, com menos atraso), ainda estamos "sofrendo" - e como dói! - os efeitos reacionários e contra-revolucionários dessa onda estética, e, pasmem!, até fomentada por gente que se cuida de esquerda... ou se faz de cuidar...

2. Ah, a poesia, a dança feérica dos sentidos, da falta deles, do enxame das abelhas semânticas! Tolo, ele disse, um bufão, ele repetiu, a fazer exegese! Que exegese que nada, insistia: poesia, poesia de manhã, de tarde, de noite, e, tanto ainda melhor, sem método, porque método estraga tudo, todos - ele é um deus dos conceitos! Abandone-se a pesquisa!, dediquemo-nos às metáforas, à poesia!, ouçam o que eu tenho a dizer...

3. Lamento. Meus ouvidos estão surdos para essa ladainha. Sou, nesses sentido, como aquela peten surda de que as Escrituras falam, que, surda que é, não se deixa encantar, hipnotizar: estou a salvo deles, encantadores de serpentes... psicólogos de cabala...

4. No fundo, é disso que se trata - poder dizer o que se quer, sem se ser interrompido, sem se ser questionado, contrariado, refutado - com crítica! Já disse, e disso me convenço mais a cada dia: transformamos a "academia" num espetáculo, num circo, numa liturgia... Lá, onde se faz ciência, estão os tolos: aqui, onde se abrem as asas das borboletas do poético, ah, eis aqui o sentido da vida... que todos olhem atentamente para mim é o nome do ato único...

5. Besteira. Oxalá passe logo a onda... E vai passar. Não, não tenho dúvidas. É como uma hiperdose de açúcar. Vão vender seus mil livros, o relógio vai dar doze escuras badaladas e a carruagem volta a ser abóbora. No futuro, serão um verbete numa enciclopédia. Mas funciona: para eles, funciona. Porque esse é seu foco e fim: eles mesmos, seu meio dia.

6. Mas eu insinuei que falaria de Bíblia. Pois arremato assim: os textos bíblicos não são poesia, nenhum. Não em sentido restrito. Em sentido amplo, claro, é na forma de poesia que muitos deles desabrocham. Mas, mesmo aí, são como as flores de plantas carnívoras: inocente inseto passeia sobre as pétalas lascivas e, vapt!, já era: está comido, digerido, morto.

7. A inumerável maioria dos textos bíblicos são peças de devorar gente. A outra parte, menor, peças de combater peças de devorar gente. Não há - arrisco, com perigo de generalizar indevidamente -, não há neutralidades lá: só tarrafas, anzóis, arpões. Aquilo é uma luta ferrenha, interminável, entre projetos, modelos, ordens, contraordens, contramodelos, contraprojetos.

8. Por que há pouca confusão de fato, se se olha mais criticamente os textos? Porque uma ordem, uma orientação de mundo, um desejo, se pretendem ser eficientes, devem ser o mais unívoco possível. E os textos bíblicos são isso: ordens, palavras de comando, ou rebeldias em forma de canções.

9. O que a "recepção" faz - e ninguém melhor do que essa onda metafórica - é desfazer a bala e transformá-la em flor. É uma prestidigitação mentirosa, um embuste de circo, que teria melhor sucesso se confessasse - como fez Foucault com Nietzsche - que se dane o que eles disseram, o que vale é o que dizemos nós. Mas, como a massa se entrega é à Bíblia, lá se vai a tropa dos neosacerdotes disfarçados de poetas... Sempre, podem apostar, sempre, com a Bíblia na mão, mas longe, acreditem, longe, muito longe dos olhos...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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