sábado, 23 de abril de 2011

(2011/248) A Páscoa e os modernos




1. Não! Não existe nada que nos toque mais profundamente do que os restos de uma tradição religiosa, despedaçada pelos caminhos que fizeram de nós pessoas massacrados pela ausência de uma infância marcada pela piedade. Eu sei que o mundo está repleto de pessoas que ainda possuem uma subjetividade absorvida pelos dogmas da tradição judaico-cristã e que se enfileiram por caminhos de procissões e liturgias, proclamando uma paixão pascal que antevê o evento extraordinário e milagroso da manhã de domingo. Que assim seja! Que bom que esse sentido seja ainda capaz de re-significar a vida de muitos que ainda guardam no coração o dom benfazejo de experimentar a vida como uma narrativa religiosa de sentido, experimentando na tragédia da cruz um atalho doloroso que levará aos apriscos de um mundo para sempre reconciliado. É absolutamente preciosa a convicção religiosa que desdenha da objetividade de um mundo sonambúlico que, despedaçado por si mesmo, não é suficientemente insignificante para constranger a esperança de certos olhares que são capazes de encontar sentido na frieza de um túmulo vazio.


2. Sabemos todos que esse olhar frágil e terno se viu objetivado pelas enredos politicos de instituições que nada fizeram senão alimentar-se dessa frágil memória, com fins de arquitetar um portentoso e bem sucedido establishment sacerdotal que sobreviveu e sobreviverá Ad multos annos! Alguns de nós, filhos de pais já mortos, nascemos do protesto à essa impostura. Como homens e mulheres modernos, engordamos as fileiras dos estádios onde, reis, padres, pastores, e todos sacerdotes, deveriam ser enforcados com suas tripas, pagando o preço (justo?) por uma impostura que sobrevive aos quatro cantos dessa terra de miseráveis. E assim nos fizemos, paridos pela idéia de que conseguiriamos encontrar um sentido em nós mesmos, longe de toda heteronomia e obscurantismos religiosos. Não encontramos! E não encontraremos nada além de fragmentos esparcos de narrativas bobas, absolutamente dispostas a oferecer consolo. Dostoiévski – esse maldito – escreveu no seu subsolo que a modernidade e a civilização limitou-se em desenvolver no homem uma variedade de sensações. Esse gosto pelas sensações variadas, que procuramos a efusão, fazem da nossa páscoa moderna uma pantominia de afetos afoitos por serotonina e chocolote.


3. Mais eis que um fio tênue de cristianismo ainda sobrevive em alguns de nós – esses bastardos – como ideal. E é por isso que agradeço o dia em que fui atravessado por essa memória sagrada e revolucionária – que é o que de melhor existe no cristianismo – que forjou homens e mulheres capazes de protestarem com alma religiosa contra todas as cruzes. « É verdade o que diz a religião, que ressuscitaremos dentre os mortos, que nos tornaremos a ver uns aos outros, e todos, e Iliucha? », pergunta Dostoiévski – esse maldito que renunciou todos os dogmas, e o mais banal de todos eles, o do homem moderno e emancipado –, não sendo capaz de responder que por um frágil balbuciar de uma criança atropelada pelas lágrimas – esse desfalecimento do ser que nos faz tombar em humanidade. Não! Não existe nada que nos toque mais profundamente do que os restos de uma tradição religiosa, despedaçada pelos caminhos que fizeram de nós figuras massacradas pela ausência de uma infância marcada pela piedade.











JIMMY SUDÁRIO CABRAL

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