sábado, 23 de abril de 2011

(2011/247) Será, por isso, menos perigoso?


1. Não sei quanto à Europa - delas entendem os teólogos conservadores de seminário, cientes da falência da Igreja, do Cristianismo - logo, de Deus! - ali. Falo, todavia, quanto ao Brasil das metrópoles, mais à vista, exposto impudicamente na TV a preço certo e doado - mas não necessariamente auditado...

2. Trocou-se uma prática cristã política por outra igualmente política - mas trata-se de dois tipos distintos de política do "Reino". Num, o tradicional, católico ou protestante, Deus reina por meio da Ordem, de tal sorte que cada cidadão pertence a uma certa modalidade de gente: há um roteiro que se deve seguir, estabelecido e ditado pelo Poder representativo e conforme a categoria a que cada um pertence. As massas, aí, são o exército da Norma. O valor consiste na extensão que essa massa é do Centro de Poder - um seu corpo, por assim dizer.

3. Bento que bento é o frade!
Frade!
Na boca do forno!
Forno!
Tudo que seu mestre mandar...
Faremos todos!
E se não fizer?
Levaremos um bolo!

4. Eis aí, na trov(ç)a de crianças, a leitura daquela sociedade cristã - o "eu" cristão era um "eu" submetido à Norma, à Ordem, ao Dogma, ao Poder. Deus era pura Ordem e Norma. Cada cristão, um serviçal deles - de Deus e da Norma - do clero, diga-se logo...

5. Mas isso acho que mudou. Ainda é política a coisa inteira, ad nauseam, mas mudou. Estamos em dias de esteticismo religioso. O subjetivismo evangélico-protestante escorreu, de quente, e melou a massa, a mesa, a mão, melou tudo, melecou tudo. Aos ferros de antes, o açúcar de agora - milhares de pessoas entregues a seus próprios sentimentos, como que a Deus - é um coração na mão, um olho marejado, um soluço, um frenesi, um tremular de carnes, para cima, mãos sempre para cima...

6. Deus, agora, é o próprio crente - seu gosto, seu jeito, sua mania, seu valor, seus desejos, suas determinações - isso precisamente é Deus. O clero há de manipular isso, certamente, ou não é clero, mas terá de submeter-se ao gosto - queira ou não. Não ditará mais coisa alguma, salvo, naturalmente, o gosto da massa. Se você não lhes faz o gosto, a Igreja - o clero (da Igreja) - ao lado faz... Emoção que produz dividendos... emoção que paga entusiasticamente cada lágrima chorada...

7. Antes, o povo crente nunca estava efetivamente diante de Deus - estava diante da Igreja. Hoje, a Igreja desaparece, dissolve-se, incultura-se, mas de uma forma estética e sentimental - Deus está diante dos olhos marejados, do coração acelerado, da voz empostada de cada crente em êxtase: Deus deixou de ser Norma e Dogma, virou chaveiro e MP3, jargão e "moda" - que se conta no Fantástico, depois de três gols... Antes, a cristandade servia a Deus e ao clero - hoje, Deus e clero devem lhe servir... Eis a "revolução democrática" do Evangelho...

8. Das Cruzadas aos shows gospels - botas de couro para pisar a cabeça da serpente, em estádios lotados, para choro, emoção, sentimento, pantomima, encenação, teatro, expressividade, louvor, adoração - espetáculo. É isso - essa é a palavra: espetáculo - cada crente, um show para Deus...

9. Foram-se os dias da banalização do sagrado. Estamos nos dias da banalização do próprio humano... Será menos perigoso do que antes? Porque menos vergonhoso não o é...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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