sábado, 11 de dezembro de 2010

(2010/631) Sem aquela mesa e sem pai, talvez reste o avô


1. Não, não há aquela mesa. Ficou lá atrás, naquela casa, vendida, dada, perdida. Mesa grande, de cadeiras tantas, mundo de meu avô e seu rádio de ouvir o América. Pai é um hiato de presença, entre quinze e dezessete, ou quatorze e dezesseis, dois famélicos anos-cães-de-rua numa vida de ausência e saudade. Fora isso, a infância, de cujas memórias apenas um mergulho nas águas do Araguaia. Mais nada. Sem mesa, sem pai, resta-me apenas a memória de meu avô, todavia, não muito amigável, homem quieto, de segredos que somente mais tarde revelados foram, e fizeram-se explicação de tanta soletude.

2. Mas Aquela Mesa me força a inventar memórias de um pai, uma mesa, um avô, memórias que me foram roubadas pela vida, que, todavia, não desamo. As memórias inventadas são uma espécie de pena que sentimos de nós mesmos, e o dia em que nos curarmos, se eles chegarem, elas irão embora. Nesse dia, não haverá nem mesa nem saudade, nem pai nem vontade, somente a história de um avô e uma casa vendida, um endereço no Google Earth...

3. Porque uma mesa em que nunca foram contadas histórias, e tanto que as temos de inventar, para não ficarmos ocos do vazio das memórias, de que serve? Somente para isso mesmo - para catalisar em nossos cristalinos imagens nunca celebradas, posto que falsas - um cinema psicológico, para fazer da vida da gente um romance menos trágico.







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Solange Barifouse disse...

Quanta força tem essa mesa ainda tão presente no presente... Dar voz a ela, num romance ou conto, talvez, quem sabe, seria uma forma de ... talvez, quem sabe... (E, por outro lado, são poucos os que conseguem fazer de sua mesa uma obra de arte).
Abraço,
Solange.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio