sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

(2010/624) Karen Armstrong, compaixão, Nietzsche e meus alunos


1. Todos os anos, vários alunos meus me procuram e me dizem que não conseguem mais "pregar". Acredito que, na maioria dos casos, trata-se da "síndrome do chilique de seminarista", síndrome e chilique que passa assim que faz as suas contas... Até porque não me considero tão influenciável assim, somado ao fato de que não há muitos professores críticos na Teologia. Há, todavia, as crises reais, verdadeiras, honestas. O que eles invariavelmente dizem é que, primeiro, têm muito medo de dizerem besteira do púlíto, porque aprendem que não sabem quase nada da Bíblia e, o que é pior, o que eles achavam que sabiam não passa de "tradição" dificilmente sustentável biblicamente. Além disso, uma parte menor deles manifesta descrença crescente em doutrinas tradicionais, o que lhes vai tornando imprestável, como a mim, para o púlpito. E, então, eu lhes digo - preguem sobre amor e compaixão. Não precisam pregar mais nada, só isso. Esqueçam as doutrinas, esqueçam o pecado, esqueçam a verdade - preguem compaixão e amor. Faço isso há pelo menos uma década. Não sei o resultado prático disso...

2. Mas, agora, acabo de assistir à palestra de Karen Armnstrong no TED - e ela diz exatamente isso: o coração das religiões é a Regra de Ouro - seja em sua versão positiva: fazer aos outros o que se espera seja feito com você mesmo, seja em sua versão negativa - não fazer aos outros o que não deseja que façam com você. Para mim, esse é o resumo aproveitável das Escrituras - todo o mais podendo ser considerado descartável. Mas esse núcleo, não.

3. Da mesma forma como penso, Karen Armnstrong, todavia, confessa-se perplexa de como a religião, enquanto sistema planetário, tendo em seu centro essa regra fundamental, em lugar de apresentar-se como solução para o problema do mundo, converte-se em parte dele. Já escrevi sobre isso, e a questão fundamental é a desgraça da verdade: quando Amor e Verdade ocupam o centro de um sistema, a Verdade torna o amor um soldado seu, de modo que, em nome do Amor, a Verdade mata. E isso não é retórica - a Igreja provou-nos isso cabalmente durante muitos séculos! O sangue dos hereges encheu as taças da Eucaristia...

4. Nietzsche deve ter-se revirado no túmulo. Digamos que Nietzsche e Karen Armstrong saibam, os dois, do segredo da religião: a diferença é que Nietzsche o sabe e abomina, porque, para ele, a compaixão é uma desgraça, que enfraquece a nobreza, e a aproxima do contágio e da sujeira da plebe... Já Armstrong, e eu me ponho a seu lado, pensa a compaixão como a nossa liberdade em face da Natureza, e nosso caminho de salvação de nós mesmos - porque não há outra coisa do que nos salvarmos, salvo nós mesmos...






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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