1. Quando eu era pequeno, éramos consideralvemente pobres. Um dos sonhos de consumo que tínhamos, e era muito raro alcançá-lo, era gahar massa de vidraceiro de minha mãe, um punhado dela, alguns cem gramas, para, com ela, fazermos bonecos de modelar. Hoje, vendem-se todo tipo de massas pedagógicas, a preços razoáveis. Na época, não. Era barro ou massa de vidraceiro. Ganhávamos, então, de quando em quando, massa de vidraceiro, e passávamos os dias a fazer bonecos. Lembro-me de ter feito um dinossaurozinho, um brontossauro, eu acho, dado o formato. Endureceu, ficou velho, esfarelou, como acontece com a massa de basculantes sem manutenção - e essa era a razão de ganharmos nossa massinha: restos do conserto das vidros dos basculantes do banheiro... Confesso: torcíamos para a massa ficar velha e os vidros correrem o risco de cair, para mamãe coprar massa nova...
2. Acho que a felicidade é, por assim dizer, como a massa de vidraceiro. Você faz com ela o que você quer. Não há um modelo padrão, porque cada qual põe a felicidade onde quer, e, às vezes, justamente onde ele mesmo não está, ele, aqui, ela, lá longe, porque foi lá longe que ele a pôs, é lá longe que costumamos pôr a felicidade.
3. Se você consegue pôr a felicidade ao alcance de sua mão, acho que a vida se torna mais fácil, mais sorridente. Os dias, todos, mesmo quando chove, são de sol. Há flores em todas as janelas. E borboletas. É verdade que há um nível mínimo de necessidades que precisam ser satisfeitas, mas, em casos extremos, mesmo o auto-controle e o controle absoluto da felicidade pessoal pode transgredir as normas da pirâmide de Maslow: há pessoas que colocam a felicidade tão na base, mas tão na base, que qualquer nível de satisfação aí já é suficiente para a máxima alegria de viver. Já outros, nem as asas de Ícaro ajudá-los-iam a alcançarem o sol de seu altar - morrerão infelizes, não importa o bem-estar de que desfrutem.
4. Evidentemente que estabeleço aqui uma relação entre, de um lado, a felicidade e, de outro, a conformidade. Estar conformado à sua própria situação, e pôr aí seu coração e felicidade, é condição sine qua non para a felicidade, de modo que, sob certo aspecto, é preciso já tê-la dentro de si para, finalmente, poder encontrá-la ao seu redor. Talvez aí esteja a razão da infelicidade, da felicidade sempre buscada e nunca alcançada: talvez se dê o caso de lutar-se contra alguma coisa invisível, tratar-se de uma indisposição da alma, uma certa má vontade para consigo mesmo, uma atitude e um mal-estar de ranzinice e rabugice eternas, de tal sorte que, má disposto internamente, nunca a felicidade lhe sorri. Inconformar-se com o que tem, e isso em face do que outros têm, e mais, inconformar-se com o que não se tem e se odia ter, se pode ter - eis a receita para o risco altíssimo de perda da felicidade... Lançar-se ao mundo, ou sentar-se à porta de casa: eis o conflito!
5. A mente inquiridora, crítica, austera, severa, apercebe-se de que a felicidade é reacionária, é inimiga da revolução, da cobiça, da ousadia, e se amofina. Ser feliz é ser acomodado!, ela diz, aborrecida... A felicidade deve ser necessariamente tola e de boa fé, crédula por nascimento, inocente e tola, porque nenhuma situação é eterna, de modo que a qualquer momento tudo pode desabar - e, com efeito, desaba. De modo que é preciso mandar a consciência às favas, e deixar-se abraçar pela felicidade, o que será coisa sumamente infantil, diga-se logo.
6. E aí está, porque geralmente os velhos são mais felizes - porque cansaram de ser adultos, e voltaram à lira dos oito anos... É preciso que uma dúzia e meia de neurônios adormeçam, para se ser feliz no mundo.
OSVALDO LUIZ RIBERO
2. Acho que a felicidade é, por assim dizer, como a massa de vidraceiro. Você faz com ela o que você quer. Não há um modelo padrão, porque cada qual põe a felicidade onde quer, e, às vezes, justamente onde ele mesmo não está, ele, aqui, ela, lá longe, porque foi lá longe que ele a pôs, é lá longe que costumamos pôr a felicidade.
3. Se você consegue pôr a felicidade ao alcance de sua mão, acho que a vida se torna mais fácil, mais sorridente. Os dias, todos, mesmo quando chove, são de sol. Há flores em todas as janelas. E borboletas. É verdade que há um nível mínimo de necessidades que precisam ser satisfeitas, mas, em casos extremos, mesmo o auto-controle e o controle absoluto da felicidade pessoal pode transgredir as normas da pirâmide de Maslow: há pessoas que colocam a felicidade tão na base, mas tão na base, que qualquer nível de satisfação aí já é suficiente para a máxima alegria de viver. Já outros, nem as asas de Ícaro ajudá-los-iam a alcançarem o sol de seu altar - morrerão infelizes, não importa o bem-estar de que desfrutem.
4. Evidentemente que estabeleço aqui uma relação entre, de um lado, a felicidade e, de outro, a conformidade. Estar conformado à sua própria situação, e pôr aí seu coração e felicidade, é condição sine qua non para a felicidade, de modo que, sob certo aspecto, é preciso já tê-la dentro de si para, finalmente, poder encontrá-la ao seu redor. Talvez aí esteja a razão da infelicidade, da felicidade sempre buscada e nunca alcançada: talvez se dê o caso de lutar-se contra alguma coisa invisível, tratar-se de uma indisposição da alma, uma certa má vontade para consigo mesmo, uma atitude e um mal-estar de ranzinice e rabugice eternas, de tal sorte que, má disposto internamente, nunca a felicidade lhe sorri. Inconformar-se com o que tem, e isso em face do que outros têm, e mais, inconformar-se com o que não se tem e se odia ter, se pode ter - eis a receita para o risco altíssimo de perda da felicidade... Lançar-se ao mundo, ou sentar-se à porta de casa: eis o conflito!
5. A mente inquiridora, crítica, austera, severa, apercebe-se de que a felicidade é reacionária, é inimiga da revolução, da cobiça, da ousadia, e se amofina. Ser feliz é ser acomodado!, ela diz, aborrecida... A felicidade deve ser necessariamente tola e de boa fé, crédula por nascimento, inocente e tola, porque nenhuma situação é eterna, de modo que a qualquer momento tudo pode desabar - e, com efeito, desaba. De modo que é preciso mandar a consciência às favas, e deixar-se abraçar pela felicidade, o que será coisa sumamente infantil, diga-se logo.
6. E aí está, porque geralmente os velhos são mais felizes - porque cansaram de ser adultos, e voltaram à lira dos oito anos... É preciso que uma dúzia e meia de neurônios adormeçam, para se ser feliz no mundo.
OSVALDO LUIZ RIBERO
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