terça-feira, 2 de novembro de 2010

(2010/549) Da mentira conservadora


1. Ainda estou agarrado ao monumento que é a obra de Domenico Losurdo - Nietzsche, o rebelde aristocrático (Revan, 2010). Na p. 336, leio uma declaração, uma acusação, forte: "aqui se esconde a grande desonestidade dos conservadores de todo tempo, são 'mentirosos ainda por cima'". Nietzsche acusa os conservadores de todos os tempos de "mentirosos". E faz no seguinte contexto: "que sentido tem demorar-se numa atitude de conservação, ou aspirar a uma restauração qualquer, se o ciclo revolucionário se alastra por séculos ou até por milênios? Os conservadores apelam para tradições às quais dão grandes significados morais e religiosos, na tentativa de afastá-las das dúvidas e das contestações que se difundem. Mas trata-se de uma operação vazia e artificial". O contexto é político, é verdade - conquanto eu não me furte a aplicá-lo igualmente ao contexto religiosos e teológico mais próximo a mim, justificado pela razão de que religião e teologia são outro nome para a política: é que vivemos num país laico, e essa relação está por enquanto diluída: mas fora esse país um país religioso, a declaração de Nietzsche, tirada da mesma seção, do mesmo parágrafo, atingiria em cheio o risco que corremos até domingo, quando um certo candidato se fez santarrão: "o conservadorismo assume freqüentemente tons cristãos. Mas - objeta Nietzsche -, se também a Igreja e a religião podem, revelar-se instrumentalmente úteis em determinadas circunstâncias, nós 'não admitiremos nunca uma situação em que domine o santarrão'". Porque santarrões são conservadores, logo, mentirosos. E o são na medida em que têm de esconder de todos tanto a si mesmos como suas verdadeiras intenções. Na teologia, essa atitude assume o ar hipócrita da santidade e da educação, dissimulações cínicas do interesse, na manipulação - a busca desenfreada do poder e das mercadorias do poder.

2. Talvez seja nesse momento que Nietzsche e eu nos identifiquemos, ele, um aristocrata anti-democrático, eu, um democrático da plebe (que ele detesta): ambos temos agonias fisiológicas diante dos conservadores, ainda que nossos temores se dêem por razões diferentes. No caso específico de Nietzsche, dá-se que os liberais conservadores de sua época, segundo juízo do próprio filósofo, uniam-se à retórica revolucionária, porque cuidavam assim, mentirosos que são, alcançar mais rapidamente seus interesses políticos e comerciais. No meu caso, porque não me sujeitaria facilmente a um cabresto ideológico, quanto mais se é o caso de cujas rédas estarem nas mãos da mais desqualificada categoria teológica do planeta. Nietzsche e eu nos encontramos justamente naquilo que nos separa definitivamente. Mas nisso concordamos: de santarrões, bastem os clérigos...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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