1. Minha fila para votar estava grande. Parece que houve problemas com a urna, pela manhã. Isso me custou uma hora na fila. E aproveitei essa uma hora para observar ao redor.
2. Voto em Mesquita, na Baixada Fluminense, onde moro, em um condomínio popular, de casas populares, mas, a rigor, de classe média baixa. Não há verdadeira pobreza ao meu redor. Desacostumo-me dela.
3. Ali, na fila, voltei a ter contato com a pobreza concreta. E considerei como a pobreza torna as pessoas feias. No fundo, é a falta de dinheiro. Sem ele, as pessoas não se podem cuidar. As feições sofridas e feias. As roupas são velhas e feias. Montagens, aos pedaços, de outros guarda-roupas, porque veste-se o que se ganha dos menos desafortunados, com foi meu caso, na infância inteira. Algumas, sujas. A pele, ruim. Uma concentração de patologias dérmicas. Os cabelos, meu Deus... O conjunto faz dessa gente uma gente esteticamente feia... Não é pela beleza delas que se vai amá-las...
4. E pensei em como é fácil, pois, abandoná-las. Quer-se distância dessa cena, dessa gente, e elas são abandonadas. Queremos fugir delas como de um destino ruim. E as abandonamos.
5. Uma quase-senhora saiu da sala de votação - destacava-se. Maquiagem na medida, casaco de lã impecável, bolsa combinando, roupas limpíssimas e passadas, sapatos bonitos: no conjunto, uma exceção na fila. Via-se que era uma exceção, com eu mesmo o era - alguém da classe média (no caso dela, média alta?) que ainda vota ali. Imediatamente, os olhos, meus, se encontram em casa - trata-se do estereótipo dos que me cercam, gente com a vida mais fácil, com bons empregos, boas condições. Ricos, não, mas, nem por isso, paupérrimos.
6. Pobres dos pobres, porque têm, além da pobreza, a feiúra estética que nos faz querer distância. É precso muita vocação, muita honra, muita nobreza, muita civilidade, muito compromisso político, para aproximar-se, cuidar deles, remediá-los, tirar a cada um deles dessa quase não-existência.
7. Para isso serviria a religião, a política. E, se não para isso, para mais nada.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Voto em Mesquita, na Baixada Fluminense, onde moro, em um condomínio popular, de casas populares, mas, a rigor, de classe média baixa. Não há verdadeira pobreza ao meu redor. Desacostumo-me dela.
3. Ali, na fila, voltei a ter contato com a pobreza concreta. E considerei como a pobreza torna as pessoas feias. No fundo, é a falta de dinheiro. Sem ele, as pessoas não se podem cuidar. As feições sofridas e feias. As roupas são velhas e feias. Montagens, aos pedaços, de outros guarda-roupas, porque veste-se o que se ganha dos menos desafortunados, com foi meu caso, na infância inteira. Algumas, sujas. A pele, ruim. Uma concentração de patologias dérmicas. Os cabelos, meu Deus... O conjunto faz dessa gente uma gente esteticamente feia... Não é pela beleza delas que se vai amá-las...
4. E pensei em como é fácil, pois, abandoná-las. Quer-se distância dessa cena, dessa gente, e elas são abandonadas. Queremos fugir delas como de um destino ruim. E as abandonamos.
5. Uma quase-senhora saiu da sala de votação - destacava-se. Maquiagem na medida, casaco de lã impecável, bolsa combinando, roupas limpíssimas e passadas, sapatos bonitos: no conjunto, uma exceção na fila. Via-se que era uma exceção, com eu mesmo o era - alguém da classe média (no caso dela, média alta?) que ainda vota ali. Imediatamente, os olhos, meus, se encontram em casa - trata-se do estereótipo dos que me cercam, gente com a vida mais fácil, com bons empregos, boas condições. Ricos, não, mas, nem por isso, paupérrimos.
6. Pobres dos pobres, porque têm, além da pobreza, a feiúra estética que nos faz querer distância. É precso muita vocação, muita honra, muita nobreza, muita civilidade, muito compromisso político, para aproximar-se, cuidar deles, remediá-los, tirar a cada um deles dessa quase não-existência.
7. Para isso serviria a religião, a política. E, se não para isso, para mais nada.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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