
1. É, acho que, no fundo, ainda patinamos sobre o mesmo gelo escorregadio de há duzentos, trezentos anos. Ah, sim, o século XIX disse coisas muito sérias - óbvias ao nível do constrangimento! Disse-o, foram escutadas, mas, a rigor, pouca gente, muito, muito pouca gente - de fato! - levou a sério o que escutou.
2. Vejo duas grandes categorias de sujeitos na azáfama "filosófica" do século XX: a) aqueles que ouviram as palavras do século XIX e, em desespero, por qalquer que seja a razão desse desespero, tentaram e tentam, todos os dias, sufocar o som daquela garganta. Cristãos, judeus, "filósofos" - ah, a Filosofia... quanta Teologia - ainda - escondida sob as saias dessa senhora. De Filosofia mesmo, há pouca coisa realmente filosófica. Muito não passa de sangue teológico sob carcaça racionalizada. Muita Filosofia da Religião que não passa de Teologia. Diria que todo esse longo grupo ainda acredita, piamente, numa visão para-além-do-humano. O que é hmano, demasiadamente humano, os enoja. Têm nojo de si mesmos, porque humanos. Compreensível: cem mil anos de revelação, coroada com a sistematização platônica, cuja jóia a "Teologia" cristã, e os olhos humanos se viciaram com a mentira da viso-divina, da perspectiva de Deus (um livro de Ciências da Religião não se cosntrangeu em dizer que, entre as Ciências da Religião, a Teologia representa a visão de Deus, a aproximação ao fenômeno religioso no plano de Deus...).
3. Eis o raciocínio: o homem pode ver a essência verdadeira da vida, mas somente quando ele olha como mais-que-humano, quando ele olha com os verdadeiros olhos. Sim, é Platão transfigurado: Arquivo X - the truth is out there... Mais do que isso: para ver essa verdade alienígena, outsider, é preciso olhos não-humanos. Como o século XIX disse que não há outra coisa que olhos humanos, e que olhos não humanos é mito e mentira, pronto: ódio teológico ao XIX, e toda a tentativa - teológica, filosófica, política - de olhar as coisas, a vida, os homens, com olhos divinos. Birra. Pirraça. Resistência. Reacionarismo puro. Infantilidade. E isso não vem das massas. O cômico é que isso vem da "elite" - de doutores! No fundo, revela conflitos psicológicos de ordem freudiana muito graves: transtornos no nível do princípio da realidade. Há um ódio aos diabos do XIX - mas é porque eles puderam dizer e disseram o que a nos falta a coragem de dizer. No fundo, odiamos a sua coragem, e castigamos nossa covardia na coragem deles. Sim, uma transferência psicológica de nossa própria condição.
4. Mas, do outro lado, do lado daqueles que consideram ter ouvido o XIX, as coisas não são melhores. Talvez sejam piores: porque aos anteriores se pode chamar diretamente de cegos, mas a estes últimos... São do seguinte tipo: ouviram as palavras do século XIX, mas estando ainda na plataforma do pré-XIX. No fundo, estão lá, ainda, mas não podem mais manejar as estruturas noológicas de lá. Conquanto sua massa corpórea vague, perdida, naquele mundo perdido e desencantado, sua mente vislumbrou o abismo - que é como gostam de chamar o lado de cá. Assim, seu desespero é de outra natureza: eles sabem que não há visão divina, e interpretam que isso significa, então, que, não havendo visão divina, não há mais nada, então. Deus do céu: nunca se viu tanta adesão à velha fé quanto essa. São filhos tão bem-nascidos de Jerusalém-Atenas que, agora que lhes arrancaram os olhos da cara, não podem conceber outra coisa senão que isso significa Niilismo, Nada, Vazio, esses termos que concedem um ar sofisticado à mesma crise infantil dos primeiros.
5. Os primeiros sao ingênuos e amedrontados: querem ficar na Cabana... Os últimos, contrariados e aborrecidos, porque nao podem mais ficar na Cabana. Para ambos, contudo, o sentido da vida só ode estar lá, na Cabana, de modo que uns insistem em poder ficar lá: mentira para si mesmo, e os outros, reconhecendo que não podem, desesperam...
6. Quanto a mim, eu diria o seguinte: muito barulho, por nada. É preciso uvir-se o século XIX já do lado de cá. É preciso reconehcer-se homem e gostar dessa descoberta, dessa salvação. Não se perdeu coisa alguma- porque nunca se teve coisa alguma do que se dizia se ter. Era mentira. Era falso. Era ilusão. Buááá, choramingam todos. Coisa constrangedora. É preciso tornar-se homem, adulto, como diria Bonhoeffer, se ele de fato o diria, como disse que diria.
7. Deixem-me dizê-lo de modo simples: para se ouvir, mesmo, completamente, o século XIX, tem-se, senhores, de estar do lado de cá do XIX. Ouvi-lo desde o outro lado produz problemas sérios de adaptação... E - por favor, senhores - vão ler Edgar Morin, pelo amor de Deus!, que isso logo passa... Talvez que isso seja como espinhas - crise de adolescência...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Vejo duas grandes categorias de sujeitos na azáfama "filosófica" do século XX: a) aqueles que ouviram as palavras do século XIX e, em desespero, por qalquer que seja a razão desse desespero, tentaram e tentam, todos os dias, sufocar o som daquela garganta. Cristãos, judeus, "filósofos" - ah, a Filosofia... quanta Teologia - ainda - escondida sob as saias dessa senhora. De Filosofia mesmo, há pouca coisa realmente filosófica. Muito não passa de sangue teológico sob carcaça racionalizada. Muita Filosofia da Religião que não passa de Teologia. Diria que todo esse longo grupo ainda acredita, piamente, numa visão para-além-do-humano. O que é hmano, demasiadamente humano, os enoja. Têm nojo de si mesmos, porque humanos. Compreensível: cem mil anos de revelação, coroada com a sistematização platônica, cuja jóia a "Teologia" cristã, e os olhos humanos se viciaram com a mentira da viso-divina, da perspectiva de Deus (um livro de Ciências da Religião não se cosntrangeu em dizer que, entre as Ciências da Religião, a Teologia representa a visão de Deus, a aproximação ao fenômeno religioso no plano de Deus...).
3. Eis o raciocínio: o homem pode ver a essência verdadeira da vida, mas somente quando ele olha como mais-que-humano, quando ele olha com os verdadeiros olhos. Sim, é Platão transfigurado: Arquivo X - the truth is out there... Mais do que isso: para ver essa verdade alienígena, outsider, é preciso olhos não-humanos. Como o século XIX disse que não há outra coisa que olhos humanos, e que olhos não humanos é mito e mentira, pronto: ódio teológico ao XIX, e toda a tentativa - teológica, filosófica, política - de olhar as coisas, a vida, os homens, com olhos divinos. Birra. Pirraça. Resistência. Reacionarismo puro. Infantilidade. E isso não vem das massas. O cômico é que isso vem da "elite" - de doutores! No fundo, revela conflitos psicológicos de ordem freudiana muito graves: transtornos no nível do princípio da realidade. Há um ódio aos diabos do XIX - mas é porque eles puderam dizer e disseram o que a nos falta a coragem de dizer. No fundo, odiamos a sua coragem, e castigamos nossa covardia na coragem deles. Sim, uma transferência psicológica de nossa própria condição.
4. Mas, do outro lado, do lado daqueles que consideram ter ouvido o XIX, as coisas não são melhores. Talvez sejam piores: porque aos anteriores se pode chamar diretamente de cegos, mas a estes últimos... São do seguinte tipo: ouviram as palavras do século XIX, mas estando ainda na plataforma do pré-XIX. No fundo, estão lá, ainda, mas não podem mais manejar as estruturas noológicas de lá. Conquanto sua massa corpórea vague, perdida, naquele mundo perdido e desencantado, sua mente vislumbrou o abismo - que é como gostam de chamar o lado de cá. Assim, seu desespero é de outra natureza: eles sabem que não há visão divina, e interpretam que isso significa, então, que, não havendo visão divina, não há mais nada, então. Deus do céu: nunca se viu tanta adesão à velha fé quanto essa. São filhos tão bem-nascidos de Jerusalém-Atenas que, agora que lhes arrancaram os olhos da cara, não podem conceber outra coisa senão que isso significa Niilismo, Nada, Vazio, esses termos que concedem um ar sofisticado à mesma crise infantil dos primeiros.
5. Os primeiros sao ingênuos e amedrontados: querem ficar na Cabana... Os últimos, contrariados e aborrecidos, porque nao podem mais ficar na Cabana. Para ambos, contudo, o sentido da vida só ode estar lá, na Cabana, de modo que uns insistem em poder ficar lá: mentira para si mesmo, e os outros, reconhecendo que não podem, desesperam...
6. Quanto a mim, eu diria o seguinte: muito barulho, por nada. É preciso uvir-se o século XIX já do lado de cá. É preciso reconehcer-se homem e gostar dessa descoberta, dessa salvação. Não se perdeu coisa alguma- porque nunca se teve coisa alguma do que se dizia se ter. Era mentira. Era falso. Era ilusão. Buááá, choramingam todos. Coisa constrangedora. É preciso tornar-se homem, adulto, como diria Bonhoeffer, se ele de fato o diria, como disse que diria.
7. Deixem-me dizê-lo de modo simples: para se ouvir, mesmo, completamente, o século XIX, tem-se, senhores, de estar do lado de cá do XIX. Ouvi-lo desde o outro lado produz problemas sérios de adaptação... E - por favor, senhores - vão ler Edgar Morin, pelo amor de Deus!, que isso logo passa... Talvez que isso seja como espinhas - crise de adolescência...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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