quinta-feira, 6 de maio de 2010

(2010/367) Das ilusões do prostíbulo


1. Aristóteles, essa prostituta – bradava Lutero, embriagado pelo espírito e pela cerveja de Wintenberg. Nada como uma boa inspiração nessas noites frias da Europa. Nada como uma boa noite de embriaguez. Alterados nossos nossos sentidos – nonsense - somos aturdidos pelo perfume do vazio e pela experiência do Nada que nos devora sem piedade. Nada como a experiência do Nada – essa embriaguez mística.

2. Numa coisa Lutero acertou: Aristóteles era um chato com suas manias de razão e ordenamento. Confesso, os chatos são fundamentais. São como os nerds que vão pra faculdade de medicina e nos brindam com analgésicos e antibióticos - pra isso serve a razão chata: diminuir o sofrimento dos desgraçados. Nada mais chato do que um teólogo seduzido por Aristóteles. Essa mania de razão. Teria sido sinal de maturidade ou de cansaço o veredito do velho Aquino sobre a obra de sua vida? Nada mais do que palha, disse o teólogo em fadigas pelos excessos de peso e razão. Medieval que era, se deu conta de que o castelo que construia não era suficientemente forte para suportar as contradições intrataveis da vida. No final, a decadência da nossa natureza-morta sempre dá a última palavra.

3. Melhor do que esses arremedos medievais só o Renascimento – esse período ilustrado em que o homem se descobre medida dele mesmo – o fundamento da tragédia. Aqui Aquino é coisa da Moyen-Age e Aristóteles é lido sem os vícios da escolástica e os medos subterrâneos do desgraçado homem medieval – sem analgésicos, eletricidade e antibióticos. Não que a vida tenha se tornado fácil, mas a sensação de estar respirando civilização deixa o homem menos covarde e mais seguro. Tempos interessantes foram esses do Renascimento. Imagine viver a euforia daqueles homens que se descobriram (quase) senhores deles mesmos. Seu estado telúrico. Homens que foram valentes para pedirem sua alforria e colocar o dedo na fronte dessa senhora gorda e temida que é a tradição. Uma avalanche de dúvida e de hybris insuflou os espíritos e coroou a nova senhora da casa: a razão. Aqui começa o inicio do fim de um mundo antigo, a extremunção da metafisica e da dogmática. Devagarinho, fomos nos tornando modernos. E isso foi só o princípio das dores.

4. Devagarinho, as luzes da Aufklärung foi iluminando os caminhos de um homem emancipado e a crítica foi fazendo seu trabalho desconstrutor da tradição. Se no medievo uma razão cativa pela tradição e seduzida por Aristoteles investiu-se no ordenamento do mundo, aqui, a razão moderna teve que fazer tudo sozinha. Não foi mesmo fácil sair da casa dos pais, e a jovem emancipada – a razão moderna - entrelaçou suas mãos com Aristóteles e ordenou o mundo com uma razão jurídica. Foi se aprendendo a fazer política, e, não foi com menos ultrage e violência que se organizou o novo mundo.

5. Não se sai ileso da tentativa de organizar e racionalizar o mundo. Ou se assume a divindade inescrupulosa de Aristóteles que organiza e fundamenta esse mundo cão – Aquino e a escolástica representam esse esforço -, ou se assume uma razão cínica que se auto-funda em desregramentos de violência que organizam a contigência e a animalidade da natureza. São os únicos meios de preservaçao do indívido. Seguir qualquer um desses caminhos é assumir a necessidade de sujar as mãos com sangue para sobreviver. Ambos os caminhos são esforços para produzir sentido e organizar o mundo. A primeira funda-se no terror do mito, a segunda, no cinismo da não menos terrorista razão.

6. Depois do mito e do cinismo moderno, resta-nos a tragédia de contemplar o vazio, e, numa espécie de ascese mística, resistir à prostituição dos ordenamentos.



JIMMY SUDÁRIO CABRAL

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