1. Bom esse livrinho do Dreher. Recomendo-o: Luís H. Dreher, O Método Teológico de Friedrich Schleiermacher. São Leopoldo: Sinodal, 1995. Realmente bom. É pequeno, 113 páginas , com os anexos e tudo, daí a forma carinhosa com que o tratei - "livrinho", que em nada é desabonador.
2. Deparo-me, agora, com o tratamento que Dreher dá à crítica que Emil Brunner faz ao método teológico de Schleiermacher (p. 22ss). Este, um teólogo "liberal" - um dos pais do liberalismo teológico alemão, a rigor. Aquele, um teólogo dialético - neo-ortodoxo, a rigor. Brunner acusa Schleiermacher de ter transformado o Cristianismo em misticismo, e de pretender provocar, assim, uma unio mystica entre o humano e o divino. Já Brunner, bem, todo neo-ortodoxo é neo-ortodoxo, e retornará às doutrinas como quase-sacramento do divino, mais ou menos descaradamente.
3. Meu problema aqui não é com Brunner, para cuja voz meus ouvidos estão (irremediavelmente?) imprestáveis desde há alguns anos. Trata-se do tipo de argumentação para quem não passou pelo século XIX, e, se passou, finge que não - e eu, meus amigos, eu passei de corpo inteiro naquele século delirante, de tal modo que Brunner e Barth me soam como ofensa aos meus tímpanos sensíveis. Naturalmente que a alguém que por lá não tenha passado, ou que, tendo, arrancou os ouvidos, ofensa terá sido ouvir isso que acabei de escrever. Mas isso é assim justamente porque nossos sentimentos são segundos, isto é, eles se desdobram a partir de nossa cosmovisão - nunca reagimos às coisas mesmas: reagimos ao que pensamos das coisas...
4. E é por isso que não posso ser liberal - e não o sou, conquanto uma dezena de desavisados assim me considerem. Mas não posso ser classificado de liberal. Muito menos de ortodoxo, é claro, mas o que está em jogo é assinalar que minha perspectiva teológica não suporta uma neo-ortodoxia, mas igualmente não comunga com os valores alternativos, de um liberalismo.
5. Primeiro, porque procuro pensar teologia como ciência. Minha ambição seria efetivamente contribuir para a transformação da teologia em verdadeira ciência - o que ela não é (nem quer ser, me parece) e está longe de ser. Assim, não estou preocupado aqui com a mística em si - e eu sou místico! A mística é estética, e a compreensão da mística, por sua vez, depende é da aplicação crítica das ciêcias humanas. Logo, não é enquanto místico que penso teologia, mas enquanto teólogo que se entende como cientista-humanista: o que uma teologia enquanto confissão tem a dizer sobre qualquer coisa só me interessa na condição de pesquisador crítico desse discurso - e só. E o mesmo seja dito sobre o que a mística tem a dizer sobre si - a visão mística da mística não é compreensão científico-humanista da mística.
6. Segundo, porque o teólogo liberal ainda é um mediador. Dreher o reconhece. O teólogo liberal não é, ainda, um teólogo-cientista, mas é um "sacerdote" - num bom sentido, talvez -, cuja intenção seja re-arrumar a casa, repensar as bases de possibilidade da cultura, dada a sua transformação iluminista-romântica, de um lado, e o compromisso da manutenção da vida cristã, de outra. Eu diria que o liberalismo de Schleiermacher seja muito mais uma pastoral do que uma ciência, mas uma pastoral que decidiu-se por dialogar com a ciência de sua época.
7. Se me fosse pedida uma avaliação do liberalismo, sob o enfoque meramente teológico-científico, eu recuaria o liberalismo: é insuficente. Se me fosse pedida uma avaliação desse mesmo liberalismo, sob enfoque pastoral, eu o recomendaria. Estou muito desconfiado de que era esse tipo de teologia pastoral que Bonhoeffer estava preparando, enquanto encarcerado. Já a teologia neo-ortodoxa, eu a recusaria num e nutro aspecto, porque, além de ser medieval, é alienante: pedagogicamente, ela é um desastre, para não dizer um crime.
8. O problema de Brunner com Schleiermacher parece corresponder àquela interdição prostática que a teologia do século XX faz à "revelação natural", à "teologia natural" - contra ela, e na defesa intransigente de apenas uma única revelação positiva, a "cacônico-escriturística", levantaram-se as grandes vozes da vanguarda teológica do século XX. A meu ver, saudades do clero, saudades da ordem, saudades do sacerdócio... Que cada um possa extrair da criação as lições disponíveis na criação é uma democratização pesada demais para os espíritos escolásticos. Ah, e não duvidem, mexe e remexe, disfarça daqui, disfarça dali, a escolástica impera. Chama-se teologia da revelação...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Deparo-me, agora, com o tratamento que Dreher dá à crítica que Emil Brunner faz ao método teológico de Schleiermacher (p. 22ss). Este, um teólogo "liberal" - um dos pais do liberalismo teológico alemão, a rigor. Aquele, um teólogo dialético - neo-ortodoxo, a rigor. Brunner acusa Schleiermacher de ter transformado o Cristianismo em misticismo, e de pretender provocar, assim, uma unio mystica entre o humano e o divino. Já Brunner, bem, todo neo-ortodoxo é neo-ortodoxo, e retornará às doutrinas como quase-sacramento do divino, mais ou menos descaradamente.
3. Meu problema aqui não é com Brunner, para cuja voz meus ouvidos estão (irremediavelmente?) imprestáveis desde há alguns anos. Trata-se do tipo de argumentação para quem não passou pelo século XIX, e, se passou, finge que não - e eu, meus amigos, eu passei de corpo inteiro naquele século delirante, de tal modo que Brunner e Barth me soam como ofensa aos meus tímpanos sensíveis. Naturalmente que a alguém que por lá não tenha passado, ou que, tendo, arrancou os ouvidos, ofensa terá sido ouvir isso que acabei de escrever. Mas isso é assim justamente porque nossos sentimentos são segundos, isto é, eles se desdobram a partir de nossa cosmovisão - nunca reagimos às coisas mesmas: reagimos ao que pensamos das coisas...
4. E é por isso que não posso ser liberal - e não o sou, conquanto uma dezena de desavisados assim me considerem. Mas não posso ser classificado de liberal. Muito menos de ortodoxo, é claro, mas o que está em jogo é assinalar que minha perspectiva teológica não suporta uma neo-ortodoxia, mas igualmente não comunga com os valores alternativos, de um liberalismo.
5. Primeiro, porque procuro pensar teologia como ciência. Minha ambição seria efetivamente contribuir para a transformação da teologia em verdadeira ciência - o que ela não é (nem quer ser, me parece) e está longe de ser. Assim, não estou preocupado aqui com a mística em si - e eu sou místico! A mística é estética, e a compreensão da mística, por sua vez, depende é da aplicação crítica das ciêcias humanas. Logo, não é enquanto místico que penso teologia, mas enquanto teólogo que se entende como cientista-humanista: o que uma teologia enquanto confissão tem a dizer sobre qualquer coisa só me interessa na condição de pesquisador crítico desse discurso - e só. E o mesmo seja dito sobre o que a mística tem a dizer sobre si - a visão mística da mística não é compreensão científico-humanista da mística.
6. Segundo, porque o teólogo liberal ainda é um mediador. Dreher o reconhece. O teólogo liberal não é, ainda, um teólogo-cientista, mas é um "sacerdote" - num bom sentido, talvez -, cuja intenção seja re-arrumar a casa, repensar as bases de possibilidade da cultura, dada a sua transformação iluminista-romântica, de um lado, e o compromisso da manutenção da vida cristã, de outra. Eu diria que o liberalismo de Schleiermacher seja muito mais uma pastoral do que uma ciência, mas uma pastoral que decidiu-se por dialogar com a ciência de sua época.
7. Se me fosse pedida uma avaliação do liberalismo, sob o enfoque meramente teológico-científico, eu recuaria o liberalismo: é insuficente. Se me fosse pedida uma avaliação desse mesmo liberalismo, sob enfoque pastoral, eu o recomendaria. Estou muito desconfiado de que era esse tipo de teologia pastoral que Bonhoeffer estava preparando, enquanto encarcerado. Já a teologia neo-ortodoxa, eu a recusaria num e nutro aspecto, porque, além de ser medieval, é alienante: pedagogicamente, ela é um desastre, para não dizer um crime.
8. O problema de Brunner com Schleiermacher parece corresponder àquela interdição prostática que a teologia do século XX faz à "revelação natural", à "teologia natural" - contra ela, e na defesa intransigente de apenas uma única revelação positiva, a "cacônico-escriturística", levantaram-se as grandes vozes da vanguarda teológica do século XX. A meu ver, saudades do clero, saudades da ordem, saudades do sacerdócio... Que cada um possa extrair da criação as lições disponíveis na criação é uma democratização pesada demais para os espíritos escolásticos. Ah, e não duvidem, mexe e remexe, disfarça daqui, disfarça dali, a escolástica impera. Chama-se teologia da revelação...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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