sábado, 20 de março de 2010

(2010/235) Certas coisas nunca deviam acabar


1. O samba, para mim, não é uma expriência encarnada, porque nunca freqüentei as rodas - se você tem a sua formação social atrofiada na infância, vivendo preso dentro de casa até os quize anos, nunca mais se corrigirá, e ficará um misantropo eterno: meu caso. Todavia, considero-me possuidor de uma estética refinada, e é isso que me faz gostar desses sambas, arte em detalhes, de som, de letra... Essas belezas deviam ser eternas.

2. É como a frescura da pele, o verdor refrescante de olhar a juventude - e por isso há tantos velhos assanhados, eu compreendo, porque seus corpos estão em idade avançada, sua memória, todavia, e seus olhos, atraem-se pela clorofila arrepiada da pele jovem - talvez haja aí um descompasso entre suas idades de fora e de dentro, ou talvez seja apenas a expressão mais livre de uma libido natural, o leão de cem anos a cortejar as carnes das leoas jovens, experimentos que a civilização se esforça por controlar e coibir de tabus.

3. Nós, homens acorrentados aos valores da fidelidade, havemos de nos precaver. Biologicamente, a frescura da pele sempre será como o cheio de peixe frito a rescender na praia. Se não nos aprumamos, se não temos a consciência de que dentro de nós reside a fera, o bicho, o animal, o sexo, se dissimulamos a libido pré-histórica e mamífera que reside dentro de nós, ah, meus amigos, não há como resistir - não em dias de ostentação do frescor.

4. Assim, há que descobrirmos, programaticamente, os valores da idade que avança. Ah, não, os grandes jequitibás, velhos de décadas, os gigantescos pinheiros, antigos de séculos, de milênios, não têm o frescor da malva, da gramínea, da folha da hortelã, não, não têm não - mas, meus amigos, há outros valores nessas muito avançadas criaturas: sua força, sua placidez, sua resistência, sua sabedoria, sua magnificência, sua soberania, sua realeza. Havemos de aprender a transferir nossa libido para essas zonas erógenas do gênero, por assim dizer, descobri-las, inventá-las.

5. Ah, sem nos esquecermos de que essas muito avançadas criaturas têm brotos verdejantes aqui e ali, têm seus encantos de vida escondidos. Aos olhos da distância, é tronco, é casca, é galho curvo e retorcido - mas, se você está perto o bastante, mais, mais perto, assim, verá, e só você, que a água corre por baixo dessa pele marcada pelo tempo, que a vida jorra pelos poros dessa criatura verde, e que os segredos do amor transbordam, ainda, depois de dez mil anos...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio