sábado, 13 de março de 2010

(2010/205) Na casa da morte


1. Soneto XLI, de Alphonsus de Guimaraens:



Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno...
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.

Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o próprio inferno.

Cantam esta mansão, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos...

Cada um de nós é a bússola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte...


2. Gosto dos simbolistas. Recordo-me de que, quando na escola, a estudar Literatura, foi a Escola que mais de encantou. Talvez fosse, já, a minha alma sombria, vai ver... Seja como for, é isso que me faz não gostar tanto da poesia cristã ou evangélica - quando não devaneiam, alienadas, nos páramos polares, a elegia alucinada de fantasmáticas criaturas, cantam uma vida mítica, delirante de gozos nunca hauridos, distante muito que está da realidade. O mito, sim, é a única roupa que a espiritualidade pode vestir - mas o mito, para ser real, precisa ser trágido: mitos de alegria mentem. Mitos são a mais profunda e necessária mentira de nossa alma, mas, até para mentir, se é preciso ser sincero.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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