quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

(2009/620) Para que não pairem dúvidas


1. Quem o queira, quem o possa, faça-o. Eu não posso mais. Não hoje, agora, aqui. Talvez, quem sabe?, amanhã, após uma doença grave, uma perda dolorosa e perversa, coisas com as quais os deuses nos põem de joelhos, para mostrarem sua superioridade... Em sendo assim, em sendo os deuses tão "superiores", tão "aristocráticos", em sendo assim, então, talvez eu volte a podê-lo, como, um dia, já pude. Mas hoje, não mais...

2. Do que falo? De me enganar - e falo de mim - com uma mística "verdadeira", que fosse outra coisa que não relação estética com a própria comcepção de "além". Depois do XIX, para aqueles que beberam da águas que correm ali e dali, nem a mística, meus amigos, nem ela, a última fronteira, fica incólume. Toda a mística - t o d a - é relação (estética) do "si" consigo mesmo. Tal qual se pensa a divindade, assim se goza a divindade, e o gozo "demonstra" - ah, inequivocamente, dirá o medievo e o pós-moderno (para quem tanto faz) - a exatidão dessa "realidade". Dizendo-se de modo simples: eu imagino como é a coisa, experimento-a na imaginação, "atualizo-a", presentifico-a, e meu corpo goza todas as sensações dessa "experiência...

3. Como vêem, estou perdido. Encomendada minha alma aos infernos da tradição dogmática, estou livre para minhas próprias viagens teológicas. A despeito da consciência crua e cruel de que tudo não passa de minha própria construção, preciso da mística. Preciso, por alguma razão pessoal - talvez, da espécie" - lidar comigo mesmo por meio de uma "refração" no além. Talvez se trate de uma "abertura" de mim para comigo mesmo, resíduos ou efeitos colaterais da consciência "freudiana". Seja como for, o carbono não consegue segurar-me, conquanto eu saiba, de algum modo que, além do carbono, vai o sonho... Toavia, nao é programático. É assim que é. E basta a mim sabê-lo.

4. Pois eu sonho, sem enganar-me que se trata de ficção. Não se me dá mais, pois, sonhar a ficção dos outros, de um Agostinho, de um Paulo, de um Platão. Serei eu mesmo meu roteirista, meu diretor, meu ator, nesse monólogo lúdico comigo mesmo, como que com meu Amigo. Desde dentro da tradição, colho os elementos que me importam, deixo outros à beira do caminho - alguém os há de colher, decerto. E sigo em frente. Obviamente, meu saco de heresias vai comigo, que serve para exorcizar os poderos hipnóticos da Norma...

5. Aos quinze anos, reservava um travesseiro e um lençol para "Deus", que dormia ao meu lado. Hoje, é Bel quem divide comigo a cama. Não há lugar, mais, para "Ele". E, uma vez que eu descobri que, por mais que Ele seja Ele, nos limites da minha experiência, Ele é sempre "eu", finalmente o lençol é o mesmo, o travesseiro, o mesmo, e nós, um só...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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