1. A Bíblia não é um livro, conquanto a gente a trate assim - é, antes, uma biblioteca, o que Paulo só podia saber: Timóteo, traga-me os rolos, principalmente os pergaminhos! Rolos e pergaminhos, agora costurados em códice, transformaram-se num livro. Mas ainda são os velhos rolos e pergaminhos - alguns deles, os mesmos de Paulo, mas não temos nem podemos ter certeza...
2. E o que se pode tirar deles? O que você quiser. Na prática, cada qual tira de lá o que lhe vem à idéia e ao interesse. E tira baldes cheios, e tanta é a água, que escorre pelo chão. Quando é para os outros, todavia, a água é seca, a terra, esturricada, a mão, sovina...
3. Se pensarmos a Bíblia - essa biblioteca - como uma prateleira, uma estante, não diria que seja uma estante de "modelos" (éticos?) a serem seguidos. Não, mil vezes, não! Há desmodelos ali, e talvez haja mais desmodelos, contramodelos, anti-modelos, do que modelos. Não fossem "heróis" bíblicos, a maior parte dos personagens estava perdida na nossa mão - a gente cairia de pau em cima deles. Mas são "heróis", e lá se vai um rei opressor, Salomão, a ser tratado como gênio; um estuprador, assassino e "pedófilo", a ser tratado como homem segundo o coração de Deus, assassinos e dementes, alguns, a serem tratados como santos...
4. Há que se ler esses textos já com um modelo ético prévio. Não - nada de empregar neles o princípio do "tudo que seu mestre mandar faremos todos". Não é porque está escrito que vamos sair fazendo, dizendo, pensando, o que lá está escrito. Não! Temos de, antes, avaliar, analisar, sopesar, considerar - e t i c a m e n t e - cada proposição, cada texto, cada sugestão, cada ordem, cada mandamento. Se é bom pra nós, é bom para os outros; se é ruim para nós, é ruim para os outros. Tudo que quereis que seja feito a vós, fazei aos outros... Boa recomendação essa...
5. Por exemplo, a escravidão: péssimo pra mim, péssimo para os outros. Ainda que a Bíblia escrevesse sete mil vezes que a escravidão é boa, não é boa não, porque não queremos ser escravos, de modo que ninguém o deve ser. Mas a Bíblia diz que uns são escravos de outros, e Paulo ainda quer Onésimo aos pés - boníssimos! - de seu senhor... Escravidão bíblica e amorosa, sugeriu um aluno...
6. Eu não leio a Bíblia de modo passivo. Leio de modo ativo, correndo o risco de errar, que seja, mas tendo a chance, também, de evitar que se cometam hoje pecados cometidos ontem e anteontem, que uma desculpa cultural releva. Pois que releve para os tempos idos e deles, mas não para os nossos e presentes. Ética na Bíblia!, porque, sem ética, ela pode até matar...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
4 comentários:
P. Que texto! Excelente!
Muito bom o texto, Osvaldo!
Mas quem define a ética que vai julgar a Bíblia?
Quem define os pressupostos?
Um abraço
Galante
É o sujeito social - já que a ética é uma construção subjetivo-social, intersubjetiva, histórica, cultural. À medida que caminhamos para uma civilização planetária, a ética há de se tornar cada vez mais planetária. Seja como for, ética é construção humana, jogo humano. O que quero pra mim, quero para o outro, é uma construção teórica muito boa para a ética...
Meu amigo, no meu caso em particular, desdobro seu pensamento e aplico-o aos livros de Kardec.
Ali não se encontram precisamente ordens que firam a moral e a ética, mas ideias eurocêntricas que põem os povos africanos e asiáticos como raças inferiores.
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