terça-feira, 31 de maio de 2011

(2011/318) Ler a pedra, ler na pedra - ou "as pedras não falam"


1. Ela é uma bruxa dos sentidos. Ela lê tudo em tudo. Sob Sol e Lua, no claro e no escuro, ela passa os dedos, sente as calosidades, e a isso ela chama ler... Sozinha ou para um público de sortido número, ela lê. Ela mesma gosta do que lê - quanto aos outros, acham-se absortos, hipnotizados pela mágica que não entendem... Pedras que clamam, pedras que falam: e defuntas vozes a jurar que sim...

2. É tanto o formato da pedra quando sua substância. Seus ângulos e curvas, sua condição áspera, suas arestas tão finas que cortam, seus côncavos de caber água de chuva e seus convexos de ela escorrer para lá.

3. Ela faz-se rigorosa em seus sortilégios - tem explicações, tem métodos, tem justificativas, especialmente em face de todos os outros modos de sortilégios. É que uns, querem da pedra apenas seu interior, sua massa, sua espécie, enquanto outros querem dela a figura, o contorno, as curvas de pedra. Mas ela não: ela aprendeu a magia nova, prestidigitação mágica de anular feitiços incompletos...

4. Ouçamos o que ela diz da pedra, das duas pedras, não, das três, da pedra-dentro, da pedra-fora, e da pedra-dentro-fora. Prestemos atenção. Silêncio! Ela faz a pedra falar e... Ora, ora, ora: é ela quem fala, e não a pedra! Sim, porque pedras não falam, seja o que ela tem dentro, seja o que ela tem fora: só gente fala, só pessoas falam, só a voz humana fala, e, meus amigos, essa pedra não falará meia palavra que não seja posta nela pela boca mágica do oráculo... O oráculo que faz que a pedra fala...

5. É assim que acaba a metáfora-parábola das pedras postas a falar pelo encantamento dos oráculos humanos. Mais ou menos como no salmo, em que se finge que os céus proclamam alguma coisa - quando, a rigor, não proclamam nada que os ouvidos já não tenham eles mesmos ouvidos pela própria boca crente...







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. no sabá seguinte, jurou-se ouvir a pedra falar. Quando se aproximaram os ouvidos, e os olhos puderam ver, não era, no fundo, uma pedra...

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