1. Se eu tivesse que responder - hoje - de onde vem nossa "consciência" (isto é, nossa "intuição") de um "além", de um "lugar" além de todo lugar - eu diria que isso advém da relação "dialogal" ("computacional", diria Edgatr Morin) entre nossos cérebros/espíritos e o mundo real, a ecosfera, que nos cerca.
2. Não acredito que o conteúdo da intuição do "além" seja inato. Ele nasce culturalmente, conquanto nunca houve - até agora, que se saiba - cultura e povo que não desenvolvessem a experiência metafísica.
3. Assim, é culturalmente desdobrável, a experiência do além, mas é biopsicologicamente fundamentada, posto que, malgrado cada povo invenar para si uma narrativa e um conteúdo muito próprios sobre esse além, todos os povos e cultura os "inventam".
4. Penso que se trata de uma consequência do funcionamento hermenêutico de nosso cérebro. A mente humana constrói uma representação holística, uma narrativa, uma cosmovisão, a partir da e para, com ela, recobrir a ecosfera. Não vivemos, nenhum de nós, na própria ecosfera, mas, sim, na noosfera que fabricamos, hermeneuticamente, fazendo-a pousar e "coincidir" com a ecosfera. Cada um de nós e cada macrocultura vive em seu próprio mundo noológico, alimentando-se dialogal/hermeneuticamente da ecosfera física.
5. A cosmovisão, portanto, é sempre mais do que a simples soma de tudo que se vê, porque todo todo é sempre mais que a soma de todas as suas partes. Assim, quando chegamos ao ilmite das coisas reais, o resultado da intuição é, necessariamente, mais do que os limites do real. Provavelmente foi assim que os primeiros homens e mulheres imaginaram o "além", porque tudo vem de algum lugar o peixe, da água, as aves, do céu, o porco, da floresta, os macacos, das árvores... Tudo que é vivo, vive em algum lugar. As hierofanias, revelando mistérios vivos nas coisas - na pedra, na árvore, no céu, no rio, no mar, na montanha, na terra, tinham de explicar de onde vinham esses seres vivos, essas forças vivas que se manifestavam.
6. Só podiam vir de além da terra de baixo, de além dos céus, de cima, de onde, já se sabia - vinham as águas... Ainda aí, o "além" é meramente uma continuação do "aqui". Mundos infra-humanos e sobre-humanos, abaixo de nós e sobre nós, eram, apenas, extensões de nossos mundos, de tal sorte que se intercomunicavam. As abstrações filosóficas tratarão de dar a esses "aléns" uma condição não-material, secundária. Assim, hoje, por mais que tenhamos descoberto que não há nada sobre as nuvens, o Além permanece... um Além "espitirual, não-físico...
7. Mas essa compreensão é sabidamente mítica - é mito. O além, seus povos, seus valores, suas narrativas, são, todas, fruto da imaginação dos povos, também nossas. Empurrar as fronteiras do além para cada vez mais longe, mais, mais, ainda mais longe, a cada nova observação dos ultra-hiper-telescópios espaciais, é, simplesmente, adiar a auto-compreensão...
8. Somos, nós, os criadores do sentido. Sob o sentido, resta uma ecosfera não-semântica, um mundo físico que não conhece a consciência, que não se pergunta sobre si, sobre o não-si, sobre o além-de-si, que apenas nasce, copula e morre. Fugindo a esse destino, por um golpe do destino, inventamos nossas narrativas.
9. Mas é de dentro de nós que vem a pulsão de inventá-las. Saber que as inventamos, não cessa a pulsão. Como Freud dizia, as narrativas são invenções, ilusões, e são - mas a fonte das pulsões., não. Não há como fechar a fonte. Elas continuarão jorrando demandas de mito. O de que precisamos é de uma relação nova com esses mitos, uma relação nova com nossa própria consciência, uma relação nova com a consciência dos povos.
10. Aproxima-se de nós uma era de autoconsciência que não redundará no desaparecimento dos mitos - impossível! -, mas produzirá uma nova era de relação entre os homens e as mulhres e suas inventivas narrativas cosmogônicas.
11. Uma nova espiritualidade se faz imperiosa - a de saber que nós, seres humanos, somos como estrelas - elas, produzem a matéria, cada átomo, em suas fornalhas siderais. Enquanto elas produzem pó de matéria, nós produzimos pó de magia - somos fábricas de deuses. Somos, nós as próprias águas cosmogônicas - teogônicas! Somos amnióticos...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Não acredito que o conteúdo da intuição do "além" seja inato. Ele nasce culturalmente, conquanto nunca houve - até agora, que se saiba - cultura e povo que não desenvolvessem a experiência metafísica.
3. Assim, é culturalmente desdobrável, a experiência do além, mas é biopsicologicamente fundamentada, posto que, malgrado cada povo invenar para si uma narrativa e um conteúdo muito próprios sobre esse além, todos os povos e cultura os "inventam".
4. Penso que se trata de uma consequência do funcionamento hermenêutico de nosso cérebro. A mente humana constrói uma representação holística, uma narrativa, uma cosmovisão, a partir da e para, com ela, recobrir a ecosfera. Não vivemos, nenhum de nós, na própria ecosfera, mas, sim, na noosfera que fabricamos, hermeneuticamente, fazendo-a pousar e "coincidir" com a ecosfera. Cada um de nós e cada macrocultura vive em seu próprio mundo noológico, alimentando-se dialogal/hermeneuticamente da ecosfera física.
5. A cosmovisão, portanto, é sempre mais do que a simples soma de tudo que se vê, porque todo todo é sempre mais que a soma de todas as suas partes. Assim, quando chegamos ao ilmite das coisas reais, o resultado da intuição é, necessariamente, mais do que os limites do real. Provavelmente foi assim que os primeiros homens e mulheres imaginaram o "além", porque tudo vem de algum lugar o peixe, da água, as aves, do céu, o porco, da floresta, os macacos, das árvores... Tudo que é vivo, vive em algum lugar. As hierofanias, revelando mistérios vivos nas coisas - na pedra, na árvore, no céu, no rio, no mar, na montanha, na terra, tinham de explicar de onde vinham esses seres vivos, essas forças vivas que se manifestavam.
6. Só podiam vir de além da terra de baixo, de além dos céus, de cima, de onde, já se sabia - vinham as águas... Ainda aí, o "além" é meramente uma continuação do "aqui". Mundos infra-humanos e sobre-humanos, abaixo de nós e sobre nós, eram, apenas, extensões de nossos mundos, de tal sorte que se intercomunicavam. As abstrações filosóficas tratarão de dar a esses "aléns" uma condição não-material, secundária. Assim, hoje, por mais que tenhamos descoberto que não há nada sobre as nuvens, o Além permanece... um Além "espitirual, não-físico...
7. Mas essa compreensão é sabidamente mítica - é mito. O além, seus povos, seus valores, suas narrativas, são, todas, fruto da imaginação dos povos, também nossas. Empurrar as fronteiras do além para cada vez mais longe, mais, mais, ainda mais longe, a cada nova observação dos ultra-hiper-telescópios espaciais, é, simplesmente, adiar a auto-compreensão...
8. Somos, nós, os criadores do sentido. Sob o sentido, resta uma ecosfera não-semântica, um mundo físico que não conhece a consciência, que não se pergunta sobre si, sobre o não-si, sobre o além-de-si, que apenas nasce, copula e morre. Fugindo a esse destino, por um golpe do destino, inventamos nossas narrativas.
9. Mas é de dentro de nós que vem a pulsão de inventá-las. Saber que as inventamos, não cessa a pulsão. Como Freud dizia, as narrativas são invenções, ilusões, e são - mas a fonte das pulsões., não. Não há como fechar a fonte. Elas continuarão jorrando demandas de mito. O de que precisamos é de uma relação nova com esses mitos, uma relação nova com nossa própria consciência, uma relação nova com a consciência dos povos.
10. Aproxima-se de nós uma era de autoconsciência que não redundará no desaparecimento dos mitos - impossível! -, mas produzirá uma nova era de relação entre os homens e as mulhres e suas inventivas narrativas cosmogônicas.
11. Uma nova espiritualidade se faz imperiosa - a de saber que nós, seres humanos, somos como estrelas - elas, produzem a matéria, cada átomo, em suas fornalhas siderais. Enquanto elas produzem pó de matéria, nós produzimos pó de magia - somos fábricas de deuses. Somos, nós as próprias águas cosmogônicas - teogônicas! Somos amnióticos...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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