1. Não se poderia, exatamente, falar de roteiro, mas de trilho, se o caso é de pensar a materialidade biológica da vida humana. O trilho, aí, consiste naquela programação universal: nascer, crescer, procriar, morrer... Isso não é exatamente um roteiro, logo se vê - é mais um vício, uma condenação, um trilho, uma genética bio-mecânica. Nele, sobre ele, corre a vida inteira, em todas as suas expressões, o bacilo, a bactéria, a ameba, o tripanossoma, a pulga, o grilo, a centopéia, o rato, o gato, o cão, a onça, a vaca, a anta, o elefante, a baleia... ah, esqueci todo o reino vegetal, aliás, todos os reinos, antigos e novos, de fungos, de vírus, de qualquer coisa que se faça reproduzir, qualquer pedaço de carbono que "respire"...
2. Mas nós, seres humanos, ah, nós descobrimos a invenção dos roteiros, quando também descobrimos a invenção da vontade "livre", da intencionalidade difusa, da consciência. Agora, sim, no unvierso incerto e aleatório da vida humana, se pode falar de roteiro...
3. Não percamos de vista, contudo, que o roteiro aleatório da vida humana é encenado no trilho biológico do nascer (sempre), crescer (quando é o caso), procriar (ou não) e morrer (sempre). De modo que os limites do roteiro da vida humana estão circunscritos aos trilhos, ao "fado", ao determinismo biológico-ecológico. E não só os limits, mas os elementos - nascimento, casamento, trabalho, morte...
4. Mas voltemos ao roteiro inaugurado pela vida humana. Qualquer um pode fazer o que queira, o que pode, o que inventa de fazer. Em tese - cada ser humano poderia inventar inúmeras vidas diferentes para si. O cenário mental em que elaborará a sua existência, está em suas mãos compô-lo, ainda que à luz das limitações daquele trilho biológico comum, e, além disso, agora, também aos "determinismos" sociológicos
5. Cada ser humanao tem a faculdade de inventar seu próprio roteiro de vida, de inventar-se, pois, por meio da invenção de sua jornada, de seu mito existencial.
6. O que as religiões fazem, todas, é inventar um mito comum para todos, fazendo, depois, que esse mito - inventado - seja confundido e aceito como "natural". Mas não é - é invenção tornada coletiva, tornada "verdadeira", recalcadas as suas origens na angústia do ser e na faculdade do existir consciente.
7. A liberdade antropológica, hoje, deve pasar, primeiro, pela consciência de que cada ser humano está preso à condenação bio-ecológica, e, se reduzir-se a isso, terá retornado à condição de "animal". Tornar-se "humano", experimentalmente humano, e asumir a condição de aleatoriedade de existência, de provisoriedade de valores, de fragilidade de convicções. Não há rumos definitivos, há rumos assumidos, possíveis, criativos.
8. As religiões ainda são pré-históricas, todas, mesmo o Cristianismo. Ainda são medievais, todas, também o Cristianismo. Ainda são animalizantes, todas, principalmente o Cristianismo... A despeito disso, a despeito do fato de o Cristianismo ainda ser abscurantista, mesmo onde se considera sábio e inteligente - na Teologia Sistemática, por exemplo, império absoluto da cegueira de si (seu último esforço capitalista, utilitarista, funcionalista, é a metáfora, a ver se ainda dá serventia a algo absolutamente inútil, afinal, porque a idéia "Deus" é extremamente útil...), foi também por meio do Cristianismo que o vírus do "esclarecimento" atingiu o Ocidente. Porque o Cristianismo quis submeter a mente humana, deu poder a ela de libertar-se contra seu até aqui mais forte algoz...
9. Não sei se as religiões, um dia, despertarão de seu sonho político de controle xamânico-sacerdotal, para uma era de co-nsciência, de "ciência" comum e comunitária, de revelação" da condição humana antropológica, sem mitos unificantes, uniformizantes, conformalistas. À luz do exemplo dos mais "progressistas" dentre os teólogos, penso que estamos longe, mas muito, muito longe disso. Seria necessário um novo mito religioso, algum que nos desenhasse, a nós, seres humanos, como emergências criativas, pontos num tempo imemorial, fogos-fátuos criativos, que se inventam, que inventam o ontem, inventam o hoje, inventam o amanhã...
10. Terão que depositar as armas, primeiro, todos os sacerdotes... Mas como?, se são eles os responsáveis pelo status quo?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Oi, Osvaldo.
Terão que passar por Feuerbach. Se não levarem Feuerbach à sério...
E parece que estão bem longe disso. Um professor de Teologia Sistemática "bem entendido" disse que Teologia não é Antropologia. Fiquei rindo dentro de mim.
Bem, só "sei" de uma coisa: sem Feuerbach não haverá despertar algum. É triste que ele não seja levado à sério.
Robson Guerra
É, Robson, estão, sim, longe, muito longe disso...
Não poso entender. Não são "desentendidos". Leram tudo que nós lemos. Ouviram tudo que ouvimos...
Não é à toa que odeiam o 19. Quando não o dizem explicitamnte, desviam dele com essa conversa mole de metáfora...
Se anda fosse para crerem pra si, enfiados em suas casas... mas não, querem que o mundo se contamine com sua doença-de-crer... Isso é profunamente perigoso. É a racionalização mais prepotente do planeta, porque consideram muito "racional" seus argumentos. Mas como disse Nietzsche, era bom aprenderem a ler, pelo menos...
Mas segura firme... Talvez sobrevivamos.
Eu até relevaria, fosse brincadeira: mas, não. Levam isso muito a sério. Até pregam!
O professor de Sistemática da sede, Delambre, convidou-me para diálogos. Aceitei. Será uma boa oportuniade para saber se o que não fi possível em quinhetos anos, é-o agora...
Aguardemos.
Osvaldo
(e barba de molho - onde será que se crava o nosso próprio erro e pecado? - não é possível que sejamos clarividentes e puros: há algo de muito errado em nós, amigo. Que será?)
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